Essa semana farei uma indicação de leitura que considero fundamental para o possível entendimento do que se passa hoje relativamente ao absurdo descrédito imputado às ciências mundo afora.

Duvidar do rigor da ciência não é uma imprudência típica apenas de nosso tempo. Imperou em diversos momentos críticos da história e, apesar do inegável avanço em áreas vitais do conhecimento, uma parcela significativa da população mundial insiste em apontar supostas falhas no modelo científico e, em seu lugar, eleger um sem número de pseudo-ciências como “detentoras da verdade”. Isso se justifica, em parte, pelo fato de que qualquer pseudo-ciência parece irrefutável, já que se baseia muito mais em crenças e desejos do que em métodos investigativos.

Já no 'modus operandi' adotado pelas ciências, uma descoberta é submetida a um milhão de testes e nenhuma “verdade” é considerada irrefutável. Bem ao contrário disso, uma comprovação que seja fruto de um estudo científico sério só é considerada válida se for refutável, ou seja, se puder ser contestada empiricamente por outro estudo científico sério.

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. | Foto: Adriano Garib

Todos os avanços da ciência, em todas as épocas e áreas do conhecimento, só foram possíveis graças ao método rigoroso empregado pelos cientistas, interessados em obter algum conhecimento menos por intermédio de certezas do que através da dúvida. E muito embora a dúvida não tenha o apelo popular de uma boa certeza, é por meio dela que os cientistas são impelidos a investigar com rigorosos critérios e a fazerem uso de todos os instrumentos disponíveis para comprovar suas teses. Podemos saber pouco, segundo a visão de muitos, mas o pouco que sabemos devemos aos diálogos assim estabelecidos entre os que ousam investigar a “realidade”. Qualquer profissional responsável da ciência experimental está ciente de que quanto mais “conhecer”, tanto mais deverá encarar o quanto ainda desconhece.

Um livro que quase passa despercebido, do aclamado cientista, astrônomo e ativista norte-americano Carl Sagan, “O mundo assombrado pelos demônios” (Cia. das Letras), é leitura obrigatória para os interessados em entender melhor as dificuldades enfrentadas pelo método científico frente a um mundo ainda supersticioso e, apesar disso, os extraordinários avanços empreendidos pela ciência, responsáveis por boa parte de nosso bem-estar. Para Sagan, o grande problema reside no fato de que é bem mais fácil comprovar um erro científico do que provar o equívoco de uma crença.

É surpreendente notar que o astrônomo foi capaz de antever, duas décadas antes (a primeira edição do livro é de 1996, pouco antes de seu falecimento, o que faz do livro uma espécie de testamento), a explosão obscurantista que hoje quase impera no planeta, comprometendo seriamente a aplicação prática da ciência em áreas essenciais, como a saúde e a biotecnologia. Sagan sabia que, a julgar pelo que já detectava na virada do século, a humanidade estaria condenada a uma renitente ignorância e a incalculáveis desastres caso não fosse capaz de valorizar e levar a sério os esforços científicos de todas as épocas, sobretudo os mais recentes.

Uma das epígrafes do livro é assinada por Albert Einstein e diz o seguinte: “Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil - e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos.”