A influência crescente do Big Data e da inteligência analítica nas opiniões e comportamentos tem sido tema de alguns dos melhores lançamentos editoriais de 2019 para cá. “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano Da Empoli (Vestígio/2019) e, mais recentemente, “A Máquina do Ódio”, de Patrícia Campos Mello (Companhia Das Letras/2020) são, a meu ver, leituras fundamentais para os interessados (e intrigados) pelos processos por meio dos quais a mediação política tradicional, via instituições, vem sendo substituída pela relação direta entre candidatos e eleitores nas plataformas digitais, via redes sociais.

Imagem ilustrativa da imagem A ciência e a farsa da desinformação

Em “Os Engenheiros do Caos”, Empoli revela as tramoias dos spin doctors e suas campanhas movidas a mineração (quase sempre ilegal) de dados de usuários da web, microtargeting em massa e disseminação de fake news com o objetivo de capturar eleitores através do choque, do medo, do ódio e do ressentimento. É de fato assustador constatar que os meios sofisticados e agressivos (muitas vezes ilegais) usados na internet comercial para atrair consumidores são hoje largamente empregados para aumentar, de modo exponencial, a base de apoiadores dos candidatos da assim chamada nova direita, alcunhados pelos analistas da nova política de “tecno-populistas”.

Para o escritor e jornalista ítalo-suíço, a gênese comportamental do perfil de eleitores de tais candidatos (hoje eleitos em diversos países do mundo) remonta aos carnavais europeus do século XVIII, quando os foliões agitavam-se nas ruas ridicularizando as autoridades de tal modo que muitas vezes a festa tornava-se perigosa a ponto de ameaçar a integridade física de seus mandatários. Empoli compara o espírito leviano e homicida dessas festas ao modus operandi dos trolls de agora. Trolls é como são chamados os usuários e apoiadores que disseminam a discórdia, a fúria, a desinformação e o caos nas redes socais (e também nas ruas), aleatoriamente ou com estratégias definidas, com o propósito de dar crédito as palavras e justificar as ações de seus candidatos.

Em “A Máquina do Ódio”, a jornalista Patricia Campos Mello revela os bastidores de suas reportagens investigativas, publicadas na Folha de S. Paulo, sobre os disparos em massa de mensagens por WhatsApp, usados com fins difamatórios, na campanha presidencial de 2018. Na ocasião, por não revelar suas fontes (o sigilo das fontes de uma investigação jornalística é protegido pela Constituição), Patricia foi vítima de uma avalanche de ataques brutais nas mídias sociais. O livro relata a saga da jornalista, desde a publicação de sua primeira reportagem sobre o assunto, em outubro de 2018, até recentemente, quando os próprios diretores executivos do WhatsApp admitiram publicamente o uso da plataforma para disparos ilegais em massa no Brasil.

A advertência do senador americano Daniel Patrick Moynihan, “Cada um tem direito as suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”, frente a política de desinformação hoje cada vez mais praticada mundo afora em processos eleitorais, parece já não ter valor ético, quanto mais prático, na Babel insana que nos cerca.