A influência devastadora das gigantes tecnológicas nos comportamentos humanos é assunto cada vez mais preocupante. O excelente documentário “O Dilema das Redes” (The social dilemma), lançado no último dia 9 pela Netflix, é profundamente esclarecedor e aponta o problema como um dos grandes desafios da humanidade para os próximos anos.

A produção reúne expoentes da tecnologia da informação do Vale do Silício, criadores de ferramentas fundamentais para a dinâmica de “engajamento” dos usuários de plataformas digitais. Seus depoimentos esmiuçam os processos por meio dos quais as empresas de Big Data vêm se transformando em verdadeiros “impérios de modificação do comportamento”.

O modelo de negócios adotado por essas empresas, no qual somente os anunciantes pagam a conta e quase tudo é disponibilizado gratuitamente aos usuários, gera a crescente necessidade de mantê-los conectados o maior tempo possível. Para tanto, os avançados algoritmos do sistema esquadrinham as tendências de uso e criam demandas específicas de acordo com o comportamento de cada usuário. É assustador saber que até mesmo o tempo que passamos olhando uma postagem ou anúncio é metrificado pelos algoritmos.

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. | Foto: Adriano Garib

Mas a medida de ouro é o volume de cliques. Quanto mais cliques, maior a permanência de usuários na rede. Quanto maior a permanência, mais anúncios. O cerne do problema é que assuntos negativos geram muito mais cliques e adesões do que os demais. Isso faz com que o sistema algorítmico que guia essas empresas priorize o lixo em detrimento de conteúdos instrutivos, a discordância em detrimento dos diálogos, as notícias falsas em detrimento das verdadeiras, as opiniões extremas em detrimento das equilibradas, a violência em detrimento da civilidade, o ódio em detrimento da tolerância, a ignorância em detrimento da educação, as teses absurdas em detrimento da ciência etc.

Esse incomparável poder de manipulação e disponibilização de dados é, direta ou indiretamente, responsável pelo alarmante crescimento de casos de depressão e suicídio entre jovens (em decorrência de sucessivas “frustrações digitais”), teorias de conspiração, disseminação de fake news, extremismos políticos, contendas urbanas, manipulação de resultados eleitorais, controle abusivo de governos, decadência moral e educacional, ataques à democracia, ataques às minorias, promoção do descrédito da ciência e de instituições públicas… Tudo aponta para desastrosas consequências comportamentais, o que, segundo os depoentes do documentário, tem potencial de gerar gravíssimos conflitos sociais caso nada seja feito para reordenar o modelo de negócios das grandes empresas de tecnologia dentro dos próximos anos.

Apesar disso, nossa tendência é ignorar esse tipo de ameaça. Afinal, não queremos perder o privilégio de ter acesso gratuito as plataformas digitais. Sintomaticamente, uma das propostas mais razoáveis para começar a resolver esse problemão é que passemos a pagar por serviços como Google e Facebook.

Parece difícil, depois de assistir “O Dilema das Redes”, deixar de repensar o modo vicioso e viciante com que nos portamos como usuários, como também ter que lidar com o incômodo de estarmos sendo espionados e usados sem que sequer saibamos disso. Diz o bordão: “Na web, se você não está pagando por um produto, você é o produto”. E nessa babel criada pelas gigantes digitais e alimentada por nossos dados, tudo indica que a torre há de ruir bem mais cedo do que pensamos.