Dois livros do escritor francês Michel Houellebecq — “Plataforma” e “Submissão” — bastariam para colocá-lo entre os maiores nomes da literatura contemporânea. Em “Plataforma” (2001), ele tem uma visão profética do terrorismo do século XXI (o livro foi lançado antes do 11 de setembro). Em “Submissão” (2015), ele imagina uma França governada por um presidente islâmico. Mas o que mais me chama atenção em Houellebecq, além do poder clarividente da sua linguagem, é a sua angustiada relação com o cristianismo. Houellebecq é um homem no caminho de Damasco: conhece a própria miséria, mas ainda não consegue enxergar a graça de Jesus Cristo. Sua entrevista concedida a Agathe Novak-Lechevalier durante a Feira Literária de Málaga na Espanha, é ao mesmo tempo bela e perturbadora. Leia alguns trechos:

Imagem ilustrativa da imagem Um escritor entre o Céu e o Inferno

(...) Acho que jamais vou crer. Sinto-me imobilizado por dúvidas. Minhas tentativas de conversão sempre resultam fracassadas. Não obstante, cada vez que vou à missa eu creio, totalmente, sinceramente. E a cada vez sinto uma espécie de revelação. Mas é algo que logo se esvai assim que deixo a igreja. É como uma droga cujo efeito passa subitamente. Então tenho me resignado. Nasci sem esse dom da fé, que em mim é efêmero, dura apenas o tempo de uma missa. Lastimo bastante. Toda felicidade tem uma essência religiosa. Sem fé ninguém encontra paz duradoura, ninguém sabe qual o seu lugar no mundo.”

“(...) Creio porque é belo, porque há uma beleza gratuita no mundo — costumava dizer isso a mim mesmo. Ainda digo quando visito a Virgem Negra de Rocamadour, que para mim é um dos grandes êxitos da espiritualidade ocidental, como o é para aqueles que sabem o que ela simboliza. Acho que estou muito distante da confiança expressa pelas outras pessoas que também visitam aquele santuário, e mais ainda dos féis do oitavo século que ergueram sua igreja naquelas escarpas. Não é soberba, penso que não. Apenas um acanhamento incapacitante e uma distância respeitosa. Tentei mostrar isso no protagonista de ‘Submissão’.”

“(...) São Paulo é um dos escritores que mais me impressionam. Em cada uma de suas cartas é possível vê-lo oscilar de um estado de exaltação a outro de profunda humildade, que quase sempre resulta numa ironia sutilíssima, inigualável, que ele volta contra si mesmo e contra quem mais partilhar de seus defeitos. (...) Então trata-se de uma releitura necessária; folheio suas cartas sempre que penso em escrever algo.”

“(...) A poesia é das atividades humanas a que mais se aproxima do divino.”

“(...) Há um aspecto religioso em minha atividade literária: o de um ‘descensus’, de uma descida crística aos infernos. Com a diferença de que ainda não achei o caminho de volta. Minha obra é como aquele Cristo indigente e cadavérico de Holbein, que tanto impressionou a Dostoievski por destoar do Cristo sempre triunfante da iconografia ortodoxa, mas nem por isso menos revelador. Quem me lê pode sentir desespero, mas também a urgente expectativa de uma Graça revivificante.”