Imagem ilustrativa da imagem Por que o dia virou noite?
| Foto: Acervo pessoal

Nos últimos dias, a grande mídia internacional apresentou um fenômeno que se repete anualmente — o aumento de queimadas durante os meses secos — como se estivéssemos diante do apocalipse global.

Mas... que tal ouvir quem realmente estudou o assunto? A professora Deise Ely, coordenadora do Laboratório de Climatologia da UEL (LabClima), tem pós-doutorado em Meteorologia pela University of Maryland (EUA), pós-doutorado em Geografia pela Université Rennes II (França), pós-doutorado em Geografia pela Université de Moncton (Canadá) e atualmente é membro do comitê diretor da Association Internationale de Climatologie.

Vamos ver o que a Dra. Deise tem a dizer sobre as notícias dos últimos dias:

“Após as redes sociais passarem a semana disseminando notícias sobre o dia ter virado noite em São Paulo e sobre as queimadas na Amazônia que acabaram por gerar uma crise internacional, associadas às discussões sobre a atual posição do Brasil no tocante às políticas de mitigação das mudanças climáticas, relembrei de muito da ciência climatológica que ministro há 22 anos em minhas aulas na universidade, e me deparei com uma triste constatação: não se aprende nada neste país.

Não é possível que estudantes e pesquisadores não se lembrem dos princípios de radiação que geram a dispersão Mie, quando a radiação de determinado comprimento de onda é espalhada por moléculas ou partículas que possuem tamanho maior do que esse comprimento da onda, provocando a alteração da percepção da cor do céu para tons brancos a acinzentados.

No episódio em questão, quando se passava por um período de baixa umidade relativa do ar, principalmente no Centro-Oeste do Brasil, no Sudeste e Norte da região Sul, ocorreu a aproximação da frente-fria acompanhada de uma instabilidade tropical nas latitudes próximas à saída do jatos de baixos níveis, provocando o fenômeno conhecido como névoa seca, que causa baixa transparência da atmosfera em virtude da concentração de partículas de sal dos oceanos, ou pela poeira, ou ainda por gotículas de água em suspensão na atmosfera.

Sim, foi um conjunto de condições da atmosfera que gerou o escurecimento do céu em São Paulo, assim como tons laranja-avermelhado nas regiões do Oeste Paulista, Norte do Paraná e outras áreas do Centro-Oeste que, sim, têm contribuição de partículas de fumaça que podem ser provenientes de queimadas, mas é mais provável que venham da própria poluição.

Agosto é historicamente um mês que apresenta aumento de queimadas. Setembro registra um ápice desta prática que irá diminuir em outubro, quando começa o período chuvoso. Ou seja, o fenômeno amplamente noticiado é recorrente no período do final do inverno brasileiro, não somente em São Paulo, mas em diversas regiões do país. Além disso, não há evidências empíricas de que tais queimadas tenham sido o principal deflagrador do fenômeno observado em São Paulo, ainda mais quando as imagens disponibilizadas pelo INPE registravam uma maior concentração de focos de incêndio no Paraguai, Uruguai e Argentina no dia 19/08/2019.

Portanto, vincular aquele episódio meteorológico-climático às ações de um governo é pseudo-ciência. Na atualidade, a ciência não tem sido usada para a busca do conhecimento ou para a compreensão dos fenômenos naturais, mas como instrumento de uma guerra de narrativas políticas, por parte de um grupo que tenta a todo custo recuperar o poder perdido.”