Imagem ilustrativa da imagem Minha primeira professora de jornalismo
| Foto: Paulo Briguet

No longínquo ano de 1989, um rapaz quase imberbe, com a estrelinha do PT no peito, perguntou à professora Maria Helena se era permitido entregar a matéria escrita à mão. A resposta foi categórica:

— Manuscrito? De jeito nenhum! Você é estudante de jornalismo, mocinho.

Foi assim que eu aprendi a escrever — como adulto.

A sala de aula era composta por doze carteiras de madeirite e metal; sobre cada carteira havia uma máquina de escrever mecânica, que fazia plim quando chegava ao final da folha. A folha em que escrevíamos as matérias denominava-se lauda, e era dividida em 20 linhas de setenta toques. Naquela sala, Maria Helena nos falou pela primeira vez no lead, as seis perguntinhas que compõem um texto jornalístico: quê? quem? quando? onde? como? por quê?

Há 30 anos os estudantes-militantes como eu estavam mais preocupados em responder a sétima pergunta do lead — E DAÍ? Mas Maria Helena se manteve irredutível: para aprender a responder a sétima pergunta, é necessário passar antes pelas outras seis. Eis uma lição de jornalismo — e de vida — que demorei anos para assimilar. Se eu tivesse ouvido a Maria Helena no primeiro momento, olharia para a realidade, e deixaria de fazer inúmeras besteiras.

No fundo da minha gaveta, encontrei algumas matérias que escrevi para a disciplina de Maria Helena, com as suas correções. No dia 1º de outubro de 1989, datilografei um texto sobre os seis estudantes de Comunicação que faziam teatro; quatro dias depois, entreguei uma matéria sobre o debate com o então candidato presidencial Ronaldo Caiado (mal conseguia disfarçar o meu ódio ao “direitista”); no dia 18 daquele mês, o tema era a “intertextualidade” nas músicas de Caetano Veloso; em 9 de novembro — o dia em que caiu o Muro de Berlim! — a entrevistada era a cientista política Maria Lúcia Vitor Barbosa (“neoliberal”, rosnei); no dia 29, uma divertida reportagem sobre os filmes pornográficos nos cinemas de Londrina, escrita em parceria com meu saudoso amigo Francelino França; por fim, alguns dias antes da eleição, a minha declaração de voto naquele senhor que atualmente está preso.

Folhear essas antigas laudas, amarelecidas pelo tempo, provocou em mim sentimentos dúbios de nostalgia e alívio. Nostalgia porque todos nós guardamos algo de bom dos nossos 19 anos; alívio porque consegui vencer as ilusões que me escravizaram na juventude. E uma das responsáveis pela minha libertação foi a professora Maria Helena Cavazotti Viana, que nos deixou no último sábado, aos 75 anos.

Pouco depois que aquele ano letivo se encerrou, um trágico acidente levou o seu filho Daniel, de apenas 17 anos. Maria Helena foi embora, mas há uma consolação para todos que ela deixou: agora, mãe e filho se abraçam no Reino de Deus.

Obrigado, professora. E abrace o seu filho mais uma vez.