No início de 1992, eu estava na casa dos meus pais em Araçatuba, já de malas prontas para voltar a Londrina. As aulas na universidade só começariam depois do Carnaval, mas eu, com o típico egoísmo de jovem, preferi passar alguns dias lendo, namorando e farreando na República da Humaitá — aquela que vocês sete já conhecem, da pracinha e das flores amarelas. No momento em que me preparava para sair de casa, a fim de tomar o ônibus do Expresso Birigui que me conduziria a Londrina, o telefone da cozinha tocou (naquela época não havia celulares). Do outro lado da linha, era o meu amigo Bonfim, chamando-me para uma conversa. Expliquei a ele a situação e disse que poderíamos conversar dentro de um mês, quando eu voltaria para passar um fim de semana na casa de meus pais.

Imagem ilustrativa da imagem Meu amigo Bonfim
| Foto: Acervo familiar

Aquela foi a última vez em que falei com Bonfim. Um mês depois — há exatos 28 anos —, quando voltei à casa dos meus pais, eles me esperavam de pé na sala, com a expressão consternada. Minha mãe disse:

— Filho, o seu amigo Bonfim... faleceu ontem à noite.

Imediatamente eu me lembrei do telefonema de Bonfim. Se as coisas tivessem se passado de modo diferente; se eu não fosse tão egoísta e inconsequente; se eu não tivesse voltado para ler, namorar e farrear em Londrina; se eu preferisse passar mais alguns dias com meus pais; se eu aceitasse aquele convite para conversar — talvez o Bonfim ainda estivesse entre nós. Carregarei esta culpa até o fim dos meus dias.

Em 1988, eu, Bonfim e o Zé havíamos acabado de passar no vestibular. Eu era calouro de Filosofia na USP (curso que felizmente abandonei!); Bonfim estudava Engenharia na FEI; e o Zé fazia Geologia na USP. Naquela época eu morava no 22º andar de um apartamento vizinho ao bairro boêmio do Bexiga. Numa sexta-feira à noite, Zé e Bonfim foram me visitar. Com muita alegria, abandonei o livro que estava lendo — “Meditações” de Descartes — e saí para tomar cerveja com meus jovens amigos.

Aquela foi uma das noites mais felizes da minha vida. A companhia de Zé e Bonfim, suas histórias, suas conversas, suas piadas, tudo isso ficou marcado na minha memória para sempre. No dia seguinte, para espantar a ressaca, fomos almoçar no restaurante do Grupo Sérgio, perto do Mappin e do Teatro Municipal. Lembro-me da risada de Bonfim, da sua inteligência, do seu carisma, de suas folgadíssimas calças Ocean Pacific. Jamais parecia mal-humorado ou triste.

Da primeira vez que vi Bonfim, na sala de aula, quando ambos tínhamos 14 anos de idade, ele me disse que gostaria de ser astrofísico. Não sei o porquê, mas me lembrei exatamente dessa sua frase quando vi por acaso, dias atrás, uma fotografia dele na internet. Bonfim hoje vive na constelação da minha memória. Seu corpo descansa no mesmo cemitério onde estão sepultados meus pais, em Araçatuba. Penso neles também, nos seus olhos repletos de amor e compaixão, antes que Aracy me dissesse:

— Filho, o seu amigo Bonfim...