Vasculhando o fundo das gavetas, minha tia Leninha — a única remanescente dos irmãos de meu pai — encontrou essa fotografia. Como é uma foto sem legenda, podemos especular sobre o lugar e a época em que foi feita. Creio que o local é o município de Guararapes, no Oeste paulista, a 546 km de São Paulo. A casa que vemos atrás deve ser a residência de meus avós paternos, Antônio e Basilissa. O carro estacionado pertencia ao Vô Antônio, um espanhol nascido em 1902 na região desértica de Múrcia, Espanha, perto do Mar Menor.

Imagem ilustrativa da imagem Meditação sobre uma foto de meu pai
| Foto: Acervo Pessoal

A data parece ser o início dos anos 50. Digo isso pela idade aparente das pessoas fotografadas. Da direita para esquerda, temos minha tia Iete (Izelter), uma das pessoas mais doces que já conheci; durante a vida inteira, de maneira discreta e carinhosa, ela se dedicou a fazer o bem e cuidar das pessoas, especialmente dos sobrinhos.

Olhando para a irmã Iete, está tia Ebe Aurora, que nos deixou muito cedo, no começo dos anos 70, após uma cirurgia do coração, e virou nome de escola em Mirandópolis. Ebe era uma professora muito admirada e amada pela família.

Ao lado de Ebe, um pouco mais baixa, de óculos, está a minha querida tia Ruth, matriarca da família. Lembro-me da alegria com que ela nos recebia em sua casa, em Mirandópolis, onde moram muitas boas memórias de minha infância. Chegando de viagem, depois de cantar nosso hit familiar “Mirandópolis é bacaiarô!”, íamos direto para a cozinha, onde tia Ruth nos dava Coca-Cola e balinhas de banana.

Atrás de tia Ruth, está o tio Dinho, batizado como Ângulo Bernardo por um erro de cartório (era para ser Ângelo). Homem inteligente e bom de prosa, tio Dinho tentou a carreira futebolística. Diz a lenda familiar que quase foi quase contratado como goleiro do Palmeiras, mas acabou dispensando quando descobriram que ele era cego de um olho.

Ao lado de Dinho, há uma moça com uma criança no colo. A moça, não consegui identificar; provavelmente é uma prima. Mas o bebê deve ser a tia Leninha, que 70 anos depois encontraria a foto na gaveta.

E chegamos ao menino. O menino de calças curtas, camiseta branca e botinas de couro. O menino com as mãos nos bolsos. O menino que faz careta, observado pelo irmão mais velho e ídolo de infância.

Esse menino é meu pai.

O mais incrível, no Paulo criança, é a sua semelhança com outro menino, nascido seis décadas depois da imagem: meu filho Pedro. Descobrimos a origem das caretas e peraltices que o Pedro faz em quase todas as fotografias. A ponto de Beto, meu querido primo-irmão, ter feito o seguinte comentário: “O que é que o Pedro está fazendo nessa foto dos anos 50?”

Daqui a uma semana, pai, vou completar 11 anos sem você. Mas agradeço a Deus por lhe trazer de volta, na presença do seu neto.

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