Imagem ilustrativa da imagem <span style="color: rgb(0, 0, 0);">Fábrica de Ladas</span>
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Meu amigo cientista, Marcelo Hermes-Lima, segue na sua cruzada para combater mitos sobre a pesquisa científica no Brasil. Compartilho com vocês suas mais recentes (e contundentes) reflexões:

“Quem acompanha a grande mídia já deve ter visto a mais recente campanha nacional ‘em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade’ liderada pela SBPC e outras entidades ‘de luta’. Esse pessoal faz esse tipo de campanha há pelo menos 30 anos, logo não haveria novidade se desta vez não envolvesse o presidente. Bolsonaro disse recentemente, em uma longa entrevista sobre vários assuntos, que haveria pouca pesquisa científica no Brasil, e que seriam as universidades particulares que mais pesquisam, citando estudos do grafeno na Mackenzie.

Em resposta ao presidente, as entidades ‘de luta’ entraram agressivamente no debate. Trouxeram dados que indicam que as universidades públicas são as que mais fazem pesquisa no Brasil, cerca de 95%. Citaram ainda o Leiden Ranking que mostra que as universidades públicas nacionais produzem estudos que estão entre os 10% mais citados do mundo – são as publicações ‘top-10’. Até criaram um slogan bonitinho sobre as universidades: ‘Fabricas de conhecimento’.

Não questionarei os números acima. Mas as ‘entidades de luta’ não incluíram estatísticas igualmente importantes, que são deveras inconvenientes (para eles). Estamos de fato em 14º lugar do mundo em QUANTIDADE de artigos científicos. Foram 72 mil publicações em 2016 e 73 mil em 2017. Porém, olhando o IMPACTO dos artigos, que é medido em citações por publicação (CPP), ficamos em 60º lugar entre 74 países que publicaram ao menos 2 mil estudos. Tivemos 45% do impacto do 1º lugar, a Suíça (CPP Suíça = 4,68; CPP Brasil = 2,12). Em 2017, ficamos em 61º lugar.

Com relação às universidades federais, elas de fato produzem artigos que são ‘top-10’. Mas quantos são? E o custo de produzi-los? Iniciaremos pela UFRJ, a maior federal do país. Foram 4.631 publicações contabilizadas pelo Leiden Ranking entre 2013 e 2016, dos quais 277 estavam entre os top-10. O repasse orçamentário da união para a UFRJ, entre 2013 e 2016, foi de R$ 12,6 bilhões, sendo 59,8% para pagamento de servidores ativos e 27,6% para aposentados. Assim, para R$ 45,7 milhões que entraram na UFRJ (sem incluir Finep, Capes, etc), saiu 1 (um) artigo top-10. Importante: não estou afirmando que cada artigo top-10 custe isso, fiz uma correlação financeira.

E a UnB? Entraram 6,4 bilhões de reais em 2013-2016, saindo 1,6 mil publicações, sendo 81 artigos top-10. Para R$ 79,6 milhões que entraram, saiu 1 (um) artigo top-10.

Outras 14 federais estão listadas pelo Leiden Ranking. UFSCar e UFRGS (111 e 306 artigos top-10, respectivamente) tiveram os menores valores: abaixo de R$ 20 milhões por top-10. A UFRN (67 artigos top-10) apresentou o maior valor nessa conta: R$ 85,1 milhões.

Nossas federais produzem muitas pesquisas, é verdade, em QUANTIDADE. Nesse ponto o presidente se enganou. Mas o preço é muito elevado quando falamos da produção de ciência realmente de qualidade – que são os artigos top-10. Precisamos deixar de ser grandes produtores mundiais de Ladas da ciência – caros, inefetivos e problemáticos.

Há ‘ilhas de excelência’ nas universidades (inclusive nas privadas), e são elas que produzem os estudos top-10. Mas isso é muito pouco, tendo em vista o montante de gasto público. Precisamos transformar nossas Fábricas de Ladas em algo melhor, muito melhor. Alô, Bolsonaro!”