A Quarta-Feira de Cinzas também poderia ser chamada de Dia da Conversão. Na visão cristã, a data simboliza o necessário exame de consciência e a mudança de rumos pelos quais todo ser humano deveria passar para a conquista da salvação eterna. Na literatura ocidental, o poema “Ash Wednesday” (Quarta-Feira de Cinzas), publicado pelo escritor anglo-americano T. S. Eliot há 90 anos, talvez seja a melhor síntese da conversão espiritual em nosso tempo. Só esse pequeno poema já tornaria Eliot um dos maiores autores do século XX; no entanto, ele ainda fez muito mais, seja no campo da poesia, do teatro, da crítica literária ou da análise cultural.

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Na Quarta-Feira de Cinzas que caiu no dia 17 de fevereiro de 1926, o escritor e bancário Thomas Stearns Eliot fazia uma viagem de férias a Roma, acompanhado da irmã e do cunhado. Para surpresa dos parentes que o acompanhavam, o escritor, que até aquele momento da vida dizia-se ateu, caiu de joelhos diante da estátua da Pietà, de Michelangelo, e mergulhou em uma profunda oração. No ano seguinte, Eliot seria batizado e crismado na Igreja Católica Anglicana e começaria a publicar as seis seções de que seria constituído o poema “Ash Wednesday”.

Eram os difíceis anos do período entre guerras, quando a civilização se encontra mergulhada em grandes dúvidas e angústias, com a grande depressão econômica, o hedonismo dos “anos loucos”, a crise do modelo liberal e a ascensão dos totalitarismos nazifascista e comunista. Dentro desse quadro caótico, que Eliot descreveu no célebre poema “The Waste Land” (A Terra Desolada), de 1922, o autor viveu uma transformação que pareceu inexplicável a grande parte de seus admiradores. Onde estava aquele Eliot pessimista e desesperado que só via trevas e ruínas por toda parte?

A resposta era simples: aquele Eliot passava pela conversão. Deixara para sempre o desespero do passado:

Porque não mais espero retornar

Porque não espero

Porque não espero retornar

A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto

Não mais me empenho no empenho de tais coisas

(Por que abriria a velha águia suas asas?)

Por que lamentaria eu, afinal,

O esvaído poder do reino trivial?

(Continua amanhã.)