“A biografia de um poeta está nos meandros de seu estilo.” (Joseph Brodsky)

Elizabeth Bishop, Cecília Meireles, Adélia Prado, Hilda Hilst, Anna Akhmatova, Emily Dickinson e Sylvia Plath estão entre aquelas escritoras que eu jamais chamaria de “poetisas”. Na verdade, elas são poetas, em toda a dimensão do termo, muito além das distinções de sexo, etnia ou classe social.

Imagem ilustrativa da imagem A injustiça contra uma poeta
| Foto: Paulo Briguet

A poeta Elizabeth Bishop (1911-1979) será a autora homenageada na próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2020. Há algum tempo sou leitor e admirador dos poemas da autora norte-americana, que viveu no Brasil entre os anos 50 e 60.

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que a escolha de Bishop tem sido duramente atacada por militantes esquerdistas nas redes sociais! Motivo alegado pelos lacradores: no ano de 1964, em cartas a amigos, Bishop fez elogios ao golpe que derrubou João Goulart e levou Castelo Branco ao poder. Isso foi o bastante para que a grande escritora, falecida há 40 anos, tornar-se alvo de uma ridícula campanha na internet, com a hashtag #ForaBishop.

Os ataques a Elizabeth Bishop revelam a devastação cultural realizada pela esquerda nas últimas décadas. Por influência da militância rancorosa, escritores e intelectuais deixaram de ser admirados pelo conteúdo de suas obras, e se tornaram meros instrumentos utilitários para a narrativa político-ideológica.

Mas talvez exista uma explicação adicional para a onda anti-Bishop. Mulher e homossexual, a autora jamais fez dessas condições uma bandeira para o seu trabalho. Como explica o escritor Paulo Henriques Britto — um dos mais conceituados tradutores brasileiros —, “Bishop sempre se recusou a ser incluída em antologias de ‘women poets’, e detestava elogios do tipo ‘a maior poetisa de sua geração’. Para ela, o problema de ser mulher é apenas um aspecto da questão maior de ser um indíviduo”. Bem, para dizer o mínimo, essa não é uma postura exatamente agradável aos militantes diversitários, que vivem a transformar todas as situações humanas em meras categorias políticas.

Finalizo a minha coluna de hoje com um dos meus poemas preferidos da autora, uma das “Songs for a Colored Singer” (Canções para uma Cantora de Cor), vertida ao português pelo grande Manuel Bandeira (a quem a autora conheceu pessoalmente):

“Nana nana./ Nana, dorme o adulto/ e a criança dorme./ Ao largo, ferido de morte, naufraga/ o navio enorme. // Nana nana./ Batalhem os povos/ e morram: não faz diferença./ A sombra do berço desenha uma imensa/ gaiola no muro.// Nana nana./ Breve a guerra acaba./ Solta esse brinquedo bobo, e apanha a lua,/ que é melhor brinquedo./ Nana nana./ Se acaso disserem/ que não tens juízo,/ não dês importância:/ sorri teu sorriso./ Nana nana./ Nana, dorme o adulto/ e a criança dorme./ Ao largo, ferido de morte, naufraga/ o navio enorme”.

Uma boa semana a todos.