Por Mariana Domingues

Nos nossos primeiros artigos aqui na coluna Pandemia & Legislação trouxemos as mudanças da lei trabalhista com a edição da MP 927/20, editada pelo Governo Federal para auxiliar a manutenção dos postos de trabalho durante a pandemia.

Infelizmente, o prazo legal de 60 dias para que o Senado votasse sua eficácia “caducou”, pelo que a MP deixa de vigorar.

A questão é que tal legislação dispôs sobre uma série de medidas trabalhistas, entre elas o sistema home-office, o banco de horas negativo e o adiantamento de férias, e foi muito bem recebida pelas empresas que firmaram milhões de acordos com empregados de todo Brasil.

A questão é: com o fim da MP qual as consequências jurídicas para esses acordos em vigor?

Primeiro é importante frisar que todo os atos e acordos realizados durante a vigência da MP são plenamente válidos e produzem os efeitos ali elencados. Isso pois o artigo 62 da Constituição Federal, em seu paragrafo onze preceitua que, as relações jurídicas que foram constituídas e decorrentes dos atos praticados durante a vigência de uma MP não convertida em lei, conservar-se-ão por ela regidas.

Todavia, ante a caducidade da MP, a partir do dia 20.07.2020 nenhum novo acordo ou ato pode ser realizado com base nas regras expostas na referida medida, sendo que voltam a viger as regras anteriormente previstas na CLT quando se trata de relação empregatícia.

Segundo, é da mesma forma importante analisarmos como cada modalidade prevista na MP 927/20 se procederão com a sua caducidade:

a) O Teletrabalho/Home Office: Embora o teletrabalho já esteja contemplado pela CLT desde a reforma trabalhista, a MP 927 flexibilizou regras desta modalidade, autorizando a mudança do trabalho presencial para o trabalho remoto pela vontade unilateral do empregador. Tal se deu por um motivo óbvio: precisávamos de uma mudança rápida na legislação para evitar aglomerações de pessoas nas sedes da empresa.

O teletrabalho foi a modalidade mais adotada pelas empresas com a MP 927, pelo que bastaria a comunicação ao empregado com uma antecedência de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, sem a necessidade de acordo individual ou coletivo.

Agora, para que a empresa possa adotar o trabalho remoto, é necessária a concordância, por escrito, do empregador/empregado. Além disso, o retorno do empregado à sede da empresa prescindirá de aviso prévio com prazo mínimo de 15 dias.

Quanto à aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura para o trabalho em casa, mantem-se a possibilidade das partes acordarem entre si de quem será o equipamento e se haverá reembolso de custos ou não, não sendo obrigatório o pagamento pela empresa.

b) Férias Individuais: A MP 927/20 permitiu, enquanto vigente, o adiantamento de férias não vencidas. Tal modalidade foi muito utilizada por empresas com funcionários da faixa de risco ou que o trabalho remoto não era possível pela natureza da atividade. Com seu fim, caso o funcionário não tenha completado o periído aquisitivo, as férias não vencidas não mais poderão ser concedidas.

O prazo de comunicação também deixa de ser de 48 horas, voltando a valer a comunicação no prazo de, no mínimo de 30 dias e seu pagamento não mais será prorrogado, devendo ser pago com antecedência à fruição das férias.

c) Férias Coletivas: Também possibilitada à funcionários que não tinham período aquisito e a certos setores da empresa, podendo ser realizada sem o aval do sindicato da categoria. Agora, volta a valer o disposto na CLT, devendo as férias serem realizadas por negociações coletivas.

d) Antecipação de feriados: Também como medida prevista para manter funcionários em isolamento social, a antecipação de feriados foi vastamente utilizada por empresários. Por esta modalidade, o empregado ficava em casa como se usufruindo um feriado, e na data real do feriado iria laborar sem receber qualquer pagamento adicional.

Mesmo que o feriado adiantado não tenha transcorrido ainda, frisa-se que plenamente valida a antecipação realizada pela empresa. Se a folga foi usufruída pelo empregado até 20.07.2020, na data do feriado deverá laborar normalmente, sem o pagamento de qualquer adicional.

e) Banco de Horas: A possibilidade da realização do banco de horas negativo e da prorrogação do prazo de compensação das horas de débito ou crédito foram atos previstos pela MP. Segundo esta, a compensação das horas poderia ocorrer no prazo de até 18 meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública, ou seja, contados a partir de 01 de janeiro de 2021, desde que estabelecido por meio de acordo individual ou coletivo.

Contudo, com a caducidade da norma, a partir de agora, o prazo de compensação volta aos 6 meses previstos na CLT, se firmando por acordo individual, ou de 1 ano, se houver negociação coletiva.

Assim, horas de débito ou crédito computadas até o dia 19.7.20 poderão ser compensadas no prazo de 18 meses. Já as horas negativas ou positivas realizadas pelo empregado a partir de 20/7 deverão ser compensadas no período de 6 meses, em caso de acordo individual.

f) Segurança e Saúde do Trabalho: exames admissionais, periódicos e demissionais restaram prorrogados pela MP, contudo a partir de agora, as empresas devem voltar a serem realizados nos prazos usuais. Exames atrasados também devem ser realizados dentre do mês atual de competência.

g) Comissões Internas de Acidentes (CIPAs): Os mandatos dos membros das CIPAs restaram prorrogados enquanto durasse o estado de calamidade pública. Com o fim da MP, cabem às CIPAS com mandatos vencidos durante os meses de abril a julho, promover novas eleições.

h) Treinamentos de Segurança: Os treinamentos obrigatórios previstos nas Normas Regulamentadoras para segurança de trabalhadores, principalmente nas indústrias e construção civil foram suspensos, primeiro por não haver empresas atuantes para tal atividade, em vista do fechamento de estabelecimentos por decretos municipais e segundo para evitar aglomerações. Mas com o fim da MP os treinamentos voltam a ser obrigatórios, sujeitando a empresa a multas em caso de fiscalização, devendo serem retomados caso a empresa já tenha voltado à atividade.

i) FGTS: O parcelamento do FGTS para novembro de 2020 não mais valerá para as parcelas vencidas de 20.07.2020 em diante, devendo serem pagos na competência do mesmo mês de vencimento.

Conclui-se que, com a perda de vigência da MP, os postos de emprego ficam novamente sob o risco da fraca economia, visto que o empresário não tem mais, de forma legal, medidas a lhe socorrer para manter seus empregados, visto que a flexibilização das regras trabalhistas trouxe um leque de possibilidades e prorrogação de custos que não poderá mais contar. E não só: a saúde do trabalhador, protegida por medidas que auxiliavam no afastamento e isolamento social, será com toda certeza a mais afetada.

O que nos resta é torcer para que o governo federal edite novas medidas ou decretos que possam suprir tal lacuna.