Desde o início de nossa coluna aqui na Folha de Londrina, estamos avaliando os impactos do estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo no 6, de fevereiro de 2020.

Hoje queremos abordar como tal situação tem refletido nos contratos de ensino e se as mensalidades escolares são ou não devidas em sua totalidade enquanto as aulas presenciais estão suspensas.

Cabe lembrar que em nosso estado, o Governador Ratinho Júnior se pronunciou no sentido de que tal suspensão (iniciada em 20.03.2020) seja estendida até agosto de 2020, desta forma, nossas crianças estarão longe das salas de aulas por mais de 5 meses. Assim, como ficará o ano letivo? A mensalidade poderá ser suspensa? Há lei que regulamente esta situação?

Estas dúvidas atingem tanto os pais como os educadores e ainda não há resposta certa.

Com a redução da renda de várias famílias, muitos consumidores buscam a suspensão ou rescisão dos contratos escolares. Contudo, cabe salientar que não há lei em vigor que obrigue as escolas ou faculdades a reduzirem ou suspenderem a cobrança das mensalidades.

Entretanto, diversos projetos tramitam na Câmara dos Deputados para conceder tais descontos durante a suspensão das aulas presenciais, como o PL 1.183/20, que obriga colégios e faculdades particulares, além dos cursos técnicos, a concederem desconto de, no mínimo, 50% do valor pago pela modalidade presencial enquanto adotarem a modalidade a distância.

O projeto mais avançado, tramitando já no Senado Federal, o PL 1.163/2020 obriga instituições de ensino fundamental e médio da rede privada a reduzirem as suas mensalidades em no mínimo 30%. De acordo com o texto, o desconto teria vigência durante o período de suspensão das aulas e seria aplicado a partir do 31º dia do início da interrupção, ou seja, em 31 de março. Em relação às universidades particulares, a medida só seria aplicada àquelas que não consigam desenvolver suas atividades por meio de aulas presenciais.

Essa proposta é fortemente criticada por entidades que representam as escolas privadas, sob o argumento de que este desconto obrigatório prejudicaria até mesmo as verbas salariais de seus professores.

Em compensação, o dever do pagamento escolar é regulamentado pelas leis federais 9870/99 e 9394/96, pelo que se lei obriga tal dever ao consumidor, não há possibilidade legal de deixar de pagar a mensalidade em razão da ausência de aulas neste período, sob riscos de a dívida ser executada judicialmente.

Lembramos ainda que o contrato escolar é um contrato anual a a escola pode definir que este período de isolamento será reposto dentro do calendário escolar, não deixando a escola de prestar com a carga horária contratada.

Em contato com o Procon Paraná sobre os Direitos do Consumidor no contrato educacional, a orientação dada é de que os pais devem buscar negociação.

As partes devem levar em consideração que as escolas e faculdades têm custos fixos que não serão abonados, mesmo que não haja aulas presenciais, que os professores dependem do pagamento de seus salários e que as escolas ainda estão prestando suas atividades através do sistema EAD, o que justifica a cobrança dos valores acordados.

Por outro lado, as escolas precisam entender que a prestação do serviço não está sendo feita da forma contratada, mesmo que por vontade alheia à da escola. Não há dúvidas que o ensino online, ainda mais para crianças menores, não tem a mesma qualidade ou é de fato compreendido pelos alunos, havendo sim queda na qualidade do ensino.

Então, cabe às escolas revisarem seus custos variáveis e repassar essa diminuição de custos para os consumidores. Sem dúvidas custos como água, luz, alimentação, vale-transporte ou vale-alimentação, fornecimento de insumos são alguns dos que foram reduzidos com a escola fechada.

O Ministério da Educação (MEC), por sua vez, determinou que a instituição de ensino pode oferecer, alternativamente às aulas presenciais, aulas em vídeo por transmissão online, desde que garantida a qualidade didática. Sobre o tema, esclarece o Procon que as escolas devem oferecer aulas online como rege o contrato de ensino e não somente atividades. As atividades são mero complemento da aula e não às substituem.

Caso a negociação não seja alcançada, recomenda-se que os consumidores busquem o Procon de sua cidade e registre sua reclamação. Ações no Juizados Especiais hoje já estão sendo analisadas também.

Registra-se que o Procon-PR já fez mais de 300 atendimentos sobre contratos com escolas.2

A Secretaria Nacional do Consumidor também se manifestou sobre o tema por meio da Nota Técnica 14/20203 onde esclarece que se houver uma prorrogação do período de quarentena, de modo a inviabilizar a prestação do serviço em momento posterior no ano corrente, será necessário ajustar o contrato, com base na previsão de prestação dos serviços.

Paguei à vista e agora?

Para os pais que pagaram o ano à vista e adiantado também cabe negociar. As mesmas condições dos pais que pagam mensalmente devem ser avaliadas.

Se a escolas não está cumprindo com o determinado pelo MEC, se o conteúdo que está transmitindo conteúdo online não satisfaz a diretriz nacional de ensino e caso não seja possível a reposição, o desconto será devido e a devolução do valor equivalente deverá ser feita pela escola aos pais.

Posso tirar meu filho da escola?

Para alunos do berçário ou da educação infantil (até 4 anos de idade) é possível cancelar a matrícula. Neste caso, recomendável que a multa contratual para cancelamento e o custo de uma rematrícula seja avaliado junto com a escola.

Contudo, para alunos a partir dos 4 anos de idade e até 18 anos, não é possível aos pais o deixarem sem estudo. Isso pois tal ato é ilegal e fere os direitos da criança e do adolescente, conforme rege o ECA, sendo inclusive passível de denúncia ao Conselho Tutelar.

Lembramos que o estudo pelos pais, em casa, aquele famoso homeschooling (educação domiciliar) que vemos em outros países ainda não foi legalizado no Brasil.

EAD e o ensino fundamental: como repor o ensino para crianças pequenas?

Para quem tem filhos na educação infantil como eu, sabem que o ensino EAD para esta faixa etária (crianças até 5 anos) é algo inviável.

Crianças pequenas não conseguem ter concentração para aprender conteúdo por plataformas online, todas querem falar ao mesmo tempo ou não querem interagir.

Assim, como para a educação infantil dificilmente está sendo reposto qualquer conteúdo educacional de forma efetiva, há de fato um descumprimento do contrato de ensino, devendo ser acordado com a escola ou a suspensão do pagamento nestes meses com reposição do valor posteriormente, de forma parcelada.

Em Nota Técnica do Ministério Público Federal, em conjunto com o MP de Goiás, de n. 01/2020, orienta que as escolas devem: “proceder à suspensão dos contratos de ensino infantil, ante a impossibilidade de cumprimento em regime telepresencial, incentivando o consumidor a postergar a execução do contrato para momento posterior.”

Ou seja, sendo inviável a reposição de aulas para o ensino infantil, cabe o pedido de suspensão do contrato, devendo ser retomado o pagamento quando do retorno às aulas presenciais.

Caso a escola não negocie esta situação, deve o consumidor buscar o Procon ou até mesmo a Justiça.

Por fim, concluímos que o caminho é buscar o diálogo e acordo entre pais e escola. A escola deve buscar cumprir com suas obrigações contratuais, seguindo orientação do MEC e substituindo, quando é possível, a aula presencial por telepresencial.

Os pais, por sua vez, devem manter o pagamento regular até novo acordo entabulado com a escola, sob pena de sofrerem com as consequências de uma cobrança judicial.

Mas ambas as partes precisam negociar, estar atento à realidade de cada aluno e se o ensino atual oferecido pela escola está sendo absorvido pela criança e adolescente dentro das diretrizes nacionais de ensino.

Tudo que estiver fora do padrão determinado pode ser levado à justiça para discussão.

Seguiremos, trazendo para você leitor, os impactos nas relações contratuais e jurídicas afetadas pela pandemia.

Suas sugestões ou dúvidas são sempre bem-vindas para discutirmos em nossa coluna.

Mariana Domingues, advogada, sócia do escritório Domingues & Herold Advogados, especialista em Direito do Trabalho pela PUC/MG e em Direito Empresarial pela PUC/PR