Pedir a quem está sofrendo e enfrentando dificuldades, que reconheça e aceite a justeza da medida em questão é uma atitude desprovida de empatia e compreensão.

É necessário reconhecer o atual cenário desafiador por que atravessa nossa economia, especialmente para a indústria que sofre com aumento do endividamento e se depara com taxas de juros muito acima de sua capacidade de assimilação.

No entanto, ser tolerante com a inflação, como elucida Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, na coluna opinião do Valor Econômico (29), é mais daninho que as eventuais dificuldades criadas pela política monetária.

Interessante observar como o governo se equilibra entre opções conflitantes.

O presidente não dá trégua ...

Em entrevista à Rádio Gaúcha, na semana passada, Lula, se referindo ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que “tem um cidadão lá [no Banco Central] que não entende nada do país.”, e o presidente questiona a que interesses [este cidadão] estaria servindo.

... e ataca a autonomia do BC...

Além de insinuar que Roberto Campos estaria “a serviço” de alguém, afirma Lula não se preocupar com a autonomia do BC, desde que o presidente do órgão “cumpra com suas funções”. Tipo assim: autonomia, desde que me obedeça.

... dando voz a um segmento da sociedade.

Subir o tom contra a política monetária conduzida pelo BC é expressar apoio a setores que sofrem com altas taxas de juros e mostra toda sua ‘indignação’ a uma maioria pouco afeita ao entendimento da economia e também serve de respaldo para atacar seu antecessor.

As funções do presidente do BC...

Mas veja que é competência do presidente do BC formular e implementar a política monetária do país, com o objetivo de manter a estabilidade de preços dentro de parâmetros pré-estabelecidos, e promover o crescimento econômico sustentável.

... é de garantir a estabilidade da moeda...

É incumbência de primeira ordem do presidente do BC o controle da inflação pois esta é condição precípua para o desenvolvimento sustentável da economia, evitando os famosos voos de galinha - um crescimento econômico temporário, porém superficial e insustentável, seguido de estagnação.

... usando as ferramentas que tem ...

Para manter a estabilidade nos preços o BC dispõe de um arsenal bastante limitado: taxa de juros, depósitos compulsórios e taxas de redesconto; tudo com o objetivo de tirar dinheiro do mercado e conter a pressão de consumo sobre os preços. E a taxa de juros é o instrumento mais eficaz para tanto.

... sem, no entanto, definir as metas.

Embora possa escolher as ferramentas de controle de preços, a meta a ser alcançada não é estabelecida pelo BC e sim pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelo ministro da Fazenda (Fernando Haddad), do Planejamento (Simone Tebet) e pelo presidente do BC (Roberto Campos Neto).

Aqui entra o outro discurso ...

Por óbvio que, com dois votos do governo, contra um do BC, a decisão que prevalecerá será sempre a do governo e na última reunião ocorrida semana passada poderia ser sido definida uma nova meta para a inflação, mais flexível e que exigiria menor taxa de juros.

... agora para os tomadores de decisão ...

Mas, se atacar o BC soa bem aos ouvidos de uma parcela da população, quem realmente toma as decisões de investimento sabe perfeitamente que previsibilidade e estabilidade é que propiciam o crescimento de longo prazo.

... e que significa exatamente o oposto.

A equipe do governo sabe bem disso e manteve na reunião do CMN o patamar de meta de inflação para 2024, 2025 e 2026 em 3%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, lembrando que para este ano a meta é de 3,5%.

A política é um jogo de xadrez.

A estratégia é interessante, [caso se desconsidere que vilipendia pessoas que estão a serviço do país], e só é possível porque o BC é independente. Por isso fico com as palavras de Roberto Campos Neto:

A razão para um BC independente “[...] é desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político porque eles têm planos e interesses diferentes.”

Marcos J. G. Rambalducci, Economista, é Professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.