A Argentina vive o drama de uma inflação oficial acima de 70% em 12 meses e flerta com uma nova crise cambial, com explosão do dólar no mercado paralelo informal, lá conhecido como câmbio blue.

Em vez de utilizar a moeda local (o peso argentino), que perde valor com a inflação e as desvalorizações, a população recorre ao dólar no dia a dia, especialmente para compras maiores.

Da mesma forma que aqui, lá também as famílias de baixa renda não tem acesso fácil a dólares e vêm o salário sendo corroído pela inflação que culmina com um cenário de aumento da pobreza, que ultrapassa em muito, o que vivenciamos por aqui.

Entender o que leva nosso vizinho a tal situação é a forma inteligente de evitar o mesmo caminho.

A dívida não começou agora ...

A atual crise na Argentina, embora agravada com os efeitos da pandemia, da guerra na Ucrânia ou da ruptura nas cadeias globais de suprimentos, seu nascedouro é bem anterior e resultado de um excesso de endividamento, especialmente de dívidas em dólares.

... e é tanto interna quanto externa ...

Tendo ultrapassado 100% de seu PIB em 2020, sua dívida pública encerrou 2021 em 81% e média de 90% nos últimos 4 anos, sendo mais da metade dela em dívida externa, o que obriga o país a ter dólares para quitar seus vencimentos.

... e resultado da falta de controle fiscal ...

A dívida pública é resultado do descompasso entre o que é arrecadado e o que é gasto pelo governo. Em 2020 o país gastou próximo a 18% mais do que arrecadou, cerca de 6,5% de seu Produto Interno Bruto.

... compensado pela emissão de moeda...

Em vez de se comprometer com a adoção de medidas de austeridade e com o cumprimento das metas entre o que gasta e o que arrecada, o governo emite mais moeda para bancar políticas sociais e subsídios a produtos como combustíveis e transportes públicos.

... que alimenta mais ainda a inflação.

Ora, aumentar a quantidade de moeda obviamente vai causar ainda mais inflação, pois a quantidade de bens e serviços não aumenta porque há mais moeda disponível. O financiamento do descontrole dos gastos via emissão de moeda jamais vai permitir o controle da inflação.

Com sabotadores internos.

Pedindo socorro ao FMI, o governo argentino fechou acordo em março deste ano, que lhe permitiu refinanciar parte de sua dívida se comprometendo em diminuir o rombo anual nas contas públicas, mas uma ala do governo, liderada pela populista Cristina Kirchner, cria todo tipo de empecilho para concretizar um plano de austeridade fiscal.

A importância do teto de gastos...

Ter um dispositivo limitador dos gastos é conter a fome de poder de quem se elege, impedir que a máquina pública seja usada de maneira irresponsável, o que normalmente acontece para sustentar projetos de manutenção no poder de um partido político ou de um personagem político.

... para não trilharmos o mesmo caminho...

O Teto de Gastos, com todos os seus problemas, foi a medida fiscal mais importante que o país adotou nos últimos anos, justamente porque procura impedir que cresça o endividamento e leve a processos de alta inflação, aumento dos juros, queda na confiança dos investidores, diminuição nos investimentos e na geração de emprego e renda.

..., mas vai ser difícil a tarefa.

O atual governo e candidato à reeleição já conseguiu distorcer e driblar este controle de gastos nas contas públicas, e o postulante oponente não demonstra qualquer disposição em trilhar um caminho voltado a equilibrar arrecadação com despesas.

E essa situação é preocupante porque nos aproxima cada vez mais da situação vivenciada pela Argentina. Parece-me que, de novo, teremos que optar pelo menos pior.

Marcos J. G. Rambalducci - Economista, é Professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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