A dívida pública é um indicador que importa, e muito, pelo menos para uma parcela significativa de economistas, na qual me incluo. Acreditar que não há limites para medidas econômicas que possam gerar um aumento da despesa pública é receita certa para lançar uma nação em grave crise econômica.

Um país com elevada relação dívida/PIB será visto como uma economia de maior risco para o investimento, o que eleva as taxas de juros, além disso reduz a capacidade de investimentos públicos e a aplicação de políticas anticíclicas.

Mas, surpreendentemente, nossa dívida caiu como proporção do PIB e em plena pandemia. Vale a pena buscar um melhor entendimento para esse fenômeno.

Preocupação vem de longe...

Em 2016 Relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgava alerta para o crescimento da dívida para 73% do PIB, valor 30% mais alto que a média das economias emergentes e a preocupação era com a perda de "margem de manobra" do governo para empregar seu caixa em medidas necessárias para a economia.

... e permanece no presente...

O professor e economista Affonso Celso Pastore em evento promovido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Instituição Fiscal Independente (IFI) em abril deste ano, vaticinou que a dívida pública iria crescer e ultrapassar a linhas dos 100% do PIB.

... com projeções inquietantes.

Segundo Pastore, ainda que o Brasil cumpra rigorosamente a regra do teto de gastos em 2021, as perspectivas otimistas ainda apontariam que um recuo para a casa dos 90% somente aconteceria em 2037.

A ingrata tarefa de perscrutar o futuro...

45 dias depois desta fala, analistas reavaliam as perspectivas futuras e estimam que a dívida pública, que batia nos 96% em outubro, é projetada em 82% do PIB ao final do ano.

... e se deparar com reviravoltas...

O Valor Econômico de sexta-feira (11) traz a fala do economista chefe da Tullet Prebon, Fernando Monteiro, que sintetizou desta forma a situação vivida pela dívida: “Sumiu uma Argentina da dívida bruta/PIB e apareceu um Uruguai nas receitas”, numa referência ao PIB destas economias e na diferença entre o que era esperado e o que se está verificando.

... que merecem nossa atenção.

Uma relação Dívida/PIB de 96% que cai para 85,6% (valor ainda a ser divulgado pelo Banco Central para o mês de maio), é muita diferença para um espaço de 6 meses. O que explica tal comportamento?

O cálculo é simples ...

Lembrar que a relação Dívida/PIB é obtida exatamente desta forma – uma operação de divisão onde a Dívida está no numerador e o PIB no denominador. Para alterar esta relação para baixo, basta diminuir o numerador ou aumentar o denominador.

... com explicação na alta da inflação...

O Banco Central corrige o PIB com base na inflação do período. A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumula alta de 8,06%, bem acima dos 2,13% projetados no orçamento. Corrigindo o PIB por esta inflação maior, claro que seu valor nominal vai aumentar.

..., no crescimento econômico ...

Em relação ao comportamento da economia, o orçamento previa crescimento do PIB de 3,2% para 2021. Mas, somente no 1º trimestre o crescimento foi de 1,2% o que levou a novas projeções para o PIB anual que ultrapassam os 5%.

... e na redução da dívida.

Um terceiro componente nesta conta é o aumento da arrecadação do governo com os impostos diante do crescimento maior da economia. Antes a previsão era de um deficit primário acima de 3% e agora as projeções são de um deficit primário abaixo de 2%, o que significa que a dívida pública irá aumentar menos que o previsto no orçamento.

Não estou convencido de que a redução da dívida/PIB seja fruto da atuação do governo. No entanto, sua queda não deixa de ser fato a ser comemorado.

Marcos J. G. Rambalducci - economista, é professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.