Em coluna do mês passado (30/05) expus que a redução temporária do ICMS sobre os combustíveis, não só não resolve o problema da inflação como tem o condão de criar outros.

Volto ao tema em razão da nova proposta do governo de substituir a compensação pelas perdas que teriam os estados nas suas arrecadações ao zerarem o ICMS sobre o diesel e o gás de cozinha, por um aumento temporário no valor do Auxílio Brasil.

Mas começo a coluna chamando a atenção para duas cenas que merecem nossa reflexão e que estão associadas direta ou indiretamente ao preço dos combustíveis.

Cena 1 – ué ... só vale para um?

O ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, afirma que quer a independência de gás russo até o verão de 2024 e que ainda neste ano deixará de comprar carvão e vai reduzir em 50% a compra de petróleo vindo deles. Ato contínuo, a mesma Alemanha acusa a Rússia de "ataque econômico" ao reduzir em mais de 50% o fornecimento de gás para eles.

Cena 2 – pimenta no olho dos outros ...

Com a escassez de gás natural, a Europa, sempre a mais empenhada na luta global contra emissões de poluentes e a primeira a apontar o dedo aos outros, está recorrendo ao carvão para suprir a demanda por eletricidade. Ou seja, enquanto a dor é dos outros, todo o rigor na cobrança, mas quando o afetado é o próprio, parece que a leitura é outra.

Na falta de um termo melhor ...

As situações acima revelam a distância que existe entre a retórica e a prática. Uma crise é uma ótima ocasião para separar aqueles que realmente se mantêm firmes em seus propósitos e os hipócritas.

E revelam outra coisa.

Fica claro que ainda somos absolutamente dependentes de combustíveis fósseis e que, no curto prazo, não deveremos ter oferta suficiente de petróleo que permita redução de seu preço no mercado internacional. Portanto, é imperativo a busca por paliativos que minimizem o impacto desta escassez.

A lógica equivocada ...

Como retirar impostos sobre os combustíveis não aumenta sua oferta, o preço somente reduziria no caso de não haver aumento da demanda e o valor do barril de petróleo se mantiver nos patamares. Ora, não parece sensato apostar em uma coisa ou outra.

... pois não limita os preços internos ...

Veja que, ao tirar impostos dos combustíveis, seu preço tenderia a cair aumentando sua demanda. Se a oferta de combustíveis não aumentou, seu preço sobe novamente até atingir o nível de equilíbrio. O imposto que iria para o governo agora vai para a petroleira.

... e tampouco os externos...

E se o barril de petróleo sobe no mercado internacional - e é bobagem pensar que a Petrobras não tem que acompanhar este preço; os combustíveis subirão na mesma proporção, retirando o benefício de menos impostos, mesmo que possa se pensar que com os impostos seria ainda pior.

... e nem fixa o câmbio.

Além disso, precisamos conviver com a possibilidade de desvalorização do Real frente ao Dólar, o que implicaria no aumento do petróleo, mesmo com o preço "travado" no mercado internacional.

Uma solução temporária ...

Então, uma alternativa seria compensar as pessoas de maior vulnerabilidade social transferindo diretamente a elas por meio do Programa Auxílio Brasil, o valor da compensação que iria para os estados pela perda de ICMS.

... e que será vista como eleitoreira.

Mesmo que entendida como uma possibilidade mais adequada no momento, será impossível não a ver como uma medida focada na tentativa de conversão em votos.

E mais controverso ainda - estaria fazendo caridade com o chapéu dos outros, pois a medida é do governo federal, mas quem paga a conta é o governo estadual.

Marcos J. G. Rambalducci é economista e professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.

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