Não tem muito tempo que a busca por um filme ou álbum musical era uma paciente aventura. Como tudo era físico (LPs, CDs, Fitas em VHS, DVDs etc.), precisava ser alugado ou comprado. Em boas rodas de amigos, havia os empréstimos e a troca de experiências culturais. Ainda assim, cada objeto encontrado era uma conquista única.

Hoje tudo está disponível. O mundo da internet colocou tudo à disposição, a preços em conta e a poucos cliques de distância. Vivemos, pois, uma era de excesso de telas. Crianças e jovens, mais suscetíveis, passam o dia entre smartphones, tablets, notebooks e imensas telas de TV. O Google promete encontrar tudo; softwares, muitos deles gratuitos, permitem viagens pelo mundo; o chamado streaming reúne a história da música e do cinema em paisagens virtuais atraentes e de fácil manuseio; livros e publicações editoriais podem ser “baixados” em questão de segundos. O universo parece estar à mão.

Pensei nisso ao ler uma antiga entrevista do psicanalista Contardo Calligaris, que há poucos dias nos deixou. Lá pelas tantas, o italiano que escolheu o Brasil para viver afirma que deveríamos abandonar a busca pela felicidade. Tratar-se-ia de uma condição inatingível. O que deveria nos mover é o encontro com uma vida que fosse verdadeiramente interessante. E ele dá um exemplo de sua proposição: escrever semanalmente um texto para o jornal motivava-o a observar o mundo com mais atenção, no intuito de eleger um assunto que fosse interessante para ele e seus leitores. Seu compromisso com um periódico acendia-lhe os faróis e tornava os dias algo interessante de apreciar.

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. | Foto: iStock

Ter com que se ocupar é muito mais inteligente do que viver em busca de uma vida que nunca se realiza de fato. Penso, então, na multidão de pessoas buscando a felicidade nas telas, sorrindo quando estão tristes, dizendo coisas nas quais não acreditam, passando adiante um tempo que não voltará jamais. Pior: lembro aqueles que utilizam as redes sociais para emitir opiniões irracionais, cheias de ódio, apenas para ocupar o seu eterno tempo livre. Que pode haver de interessante em vidas assim?

Não é preciso ir longe para identificar a presença de pessoas tristes tentando ludibriar a própria infelicidade. Elas podem estar dentro de nós, dispostas a fazer das telas um espelho que lhes revele o avesso, nunca imagens reais. O interessante nessas vidas é o fato de se poder negá-las com entusiasmo. Assim, cada um se torna quase irreconhecível. As telas tornam tudo mais bonito, mais rico, mais vitorioso – a única derrota seria admitir que tudo não passa de ilusão.

Faz alguns anos que abandonei as redes sociais. Perdi contatos valiosos, mas ganhei uma vida inteira para tornar interessante. Comunico-me com o mundo por e-mail, um número pouco conhecido de celular e meus sentidos, os quais exponho à luz do dia e aos luares mais inspiradores. Voltei a refutar a felicidade e a fazer de minha vida uma caminhada rumo a motivações que a tornem, para mim e para quem vive ao meu redor, efetivamente interessante. Recomendo.

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