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Dias atrás, em meio a uma garoa que me lembrava da infância em São Paulo, resolvi dedicar uma tarde inteira a organizar minhas estantes de livros. Após algum tempo (no meu caso, três décadas) adquirindo livros, as coisas se perdem, a memória se apaga. “Por que este livro está aqui?” “Onde foi parar aquele título?” Perguntas assim povoaram minha mente naquele vespertino saudosista.

Não tenho preconceitos quando o assunto é livro. Sou feliz proprietário de prateleiras muito diversificadas, ainda que as de literatura sejam meu xodó. Há divisões que ostentam obras de política, sociologia, filosofia, “assuntos gerais” (de culinária à astronomia) e uma boa variedade de títulos sobre o Brasil e a América Latina. Sempre encarei o conhecimento como uma ação transdisciplinar. Quem se contenta em saber de um só tipo de coisa vê o mundo com apenas uma cor, desprezando as demais.

Ao entardecer, quando o céu escurece e a revoada de pássaros produz um longo canto frenético, as estantes estavam limpas e organizadas. Senti que valera a pena o esforço. Decidi, então, folhear alguns livros que havia selecionado para ficar sobre a mesa, tornando mais rápido meu acesso a eles. Eram três: “Manuscritos econômico-filosóficos”, de Karl Marx; “Palavras-chave”, de Raymond Williams; e “Psicopolítica”, de Byung-Chul Han. Percebi, sem acasos, que eram os livros sobre os quais vinha me debruçando havia vários meses.

Uma boa leitura vai e vem, repete-se, transforma-se. Toda vez que lemos mais uma vez um mesmo texto, por quaisquer motivos, novidades surgem. Devido ao caráter provisório e relutante de toda leitura, os livros – novos e velhos – têm um frescor impressionante. Não sei se era minha predisposição naquele momento ou o fato de se tratar de obras que inquietam e provocam reflexão, mas pude viver, virando páginas cheias de anotações, sensações enriquecedoras. No fundo, parecia ser a primeira vez que os tinha diante dos olhos.

De Karl Marx, por exemplo, aproprio-me de conceitos e categorias desde sempre. O pensador alemão continua emprestando a mim as melhores chances de análise sobre as questões que pesquiso e pelas quais demonstro interesse. “Manuscritos econômico-filosóficos”, de 1844, em particular, é uma obra a que me reporto constantemente. Talvez seja o livro mais influente em minha formação pessoal.

Os livros de Williams e Han, separados por algumas décadas, se ajustam um ao outro. Leio-os em busca de saídas para nossa sociabilidade tão desgastada. Nestes dias de retrocessos em todas as áreas da existência, com desassossegos tirânicos ameaçando a democracia de hora em hora, ambos se somam nos esforços por clarear caminhos, apontar alternativas, adoçar esperanças.

A “faxina” foi uma ideia saudável. É fabuloso reencontrar a juventude perdida, os temas que nos tiraram sono, os autores e as autoras que consideramos de modo tão fraterno. Acredito que, não obstante tenha sido uma atividades muito braçal, quem ganhou foi o espírito. Altamente recomendável, sem restrições.

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