No último fim de semana, um arquivo digital de acesso restrito (ou seja, pago) estava aberto. Fazia anos que eu desejava consultá-lo, mas me negava a dar dinheiro para uma fonte que deve ser livre a pesquisadores. Por se tratar de um veículo de grande imprensa, continuo julgando que sua função pública inclui prestar serviços à ciência brasileira – gratuitamente, friso.

Não sei se foi um erro do sistema (leia-se: pessoa responsável por “proteger” o acervo virtual), se foi um aperitivo que o jornal proprietário do arquivo oferecia aos internautas ou se, por um lapso de lucidez e sentimento aflorado de cidadania, o referido grupo empresarial decidiu servir ao país. O fato é que me esbaldei.

Na história do jornal depositado no acervo em questão estão incontáveis escritos e entrevistas de um intelectual que pesquiso faz vinte anos. Conheço seus livros, seus artigos científicos, sua trajetória narrada por companheiros e vívidos pensadores. Ao longo desse tempo, tive acesso a outros acervos digitais que contêm parte expressiva de sua obra, graças à disponibilidade desses instrumentos ou à generosidade de amigos pesquisadores que, ao se depararem com material dessa personalidade a mim tão cara, me presentearam com links e arquivos eletrônicos.

Mas me faltava o acesso privilegiado ao tal “acervo pago”. Ali está a maior contribuição do meu intelectual dileto a veículos de grande circulação. Foram décadas de contribuição, digamos, “jornalística” de um intelectual raro, democrata, um sujeito imprescindível ao bom debate público no Brasil. Pude atestar isso tudo garimpando por horas a fio, dia e noite, o arquivo, com medo de que ele se fechasse e me retirasse uma das maiores alegrias da vida. Como confessei a familiares, eu não teria ficado mais feliz nem se tivesse acertado na Mega-sena.

A indescritível viagem que fiz no tempo me permitiu conhecer um pouco mais a respeito de meu país. Como garimpei arquivos entre as décadas de 1960 e 2010, pude passear pela história nacional, percebê-la num contexto global mais amplo, conhecer as figuras públicas que opinavam sobre os nossos caminhos em todo esse período. Ao buscar meu sujeito-objeto de pesquisa, encontrei uma realidade infinitamente mais complexa, repleta de pequenos e grandes acontecimentos. Da ditadura à redemocratização, do real ao surreal, deparei-me com uma brasilidade vasta, múltipla, categorizada pela pluralidade de ideias e por diversas visões de mundo disputando o sentido de nossa democracia.

Ressalto a palavra “democracia” porque não encontrei loucos de pedra a promover desinformação, ruína civilizacional, ódio de classe ou preconceitos inúmeros. Flagrei diversidade, antagonismos e exigência de um debate com algum rigor, alguns pré-requisitos de qualidade de argumentos e preciosidade biográfica.

O estado grosseiro a que chegamos hoje em face da expansão das redes sociais será investigado pelos pesquisadores nos acervos do futuro, se a barbárie permitir. E oxalá o acesso a essas fontes seja totalmente gratuito.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.