De uma semana a outra, invariavelmente, muita coisa acontece. Na vida de um indivíduo, amores que vão e vêm, sonhos que se perdem e se realizam, otimismo galopante e pessimismo agudo: o turbilhão da novidade causa vertigem e desestabiliza até quem já é bem calejado.

Imagem ilustrativa da imagem Tudo depois do nada
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Grupos sociais são ainda mais vulneráveis ao ímpeto da mudança. Como a soma das partes é sempre diferente da totalidade que as determina, o coletivo (o todo) é surpreendente e angustiante para os indivíduos (as partes): uns querem calmaria, outros apostam na incessante transformação de tudo. “Forçados” à convivência, indivíduos se dividem e criam trincheiras para abrigar suas visões de mundo e proteger seus “iguais”.

Às quintas-feiras, esta coluna mira um ponto da vida comum (a “guerra de trincheiras”) e intui fazer uma reflexão serena sobre fatos, cenários e personagens. Entre inúmeras possibilidades, “A Cidade Futura” encara o desafio de vasculhar um livro, um filme, uma ação política e decisória de lideranças, partidos ou instituições, a fim de entender como a história se enraíza no cotidiano das pessoas, disseminando valores (ou antivalores) e produzindo mentalidades e comportamentos. A busca pelo entendimento de certa aversão contemporânea à democracia, em favor de um sentimento autoritário e mesquinho, por exemplo, tem sido uma escolha bastante reincidente da coluna.

Diante de uma pandemia sem paralelos, numa época em que a humanidade se acreditava livre de ameaças “finais”, insurge-se o dualismo das ideias. Afinal, no que se apegar numa hora dessas? Ficar em casa ou voltar ao trabalho? Isolamento vertical ou horizontal? Economia ou vidas humanas? Mais uma vez, para não escapar às tendências contemporâneas, o debate se polariza, corre para as extremidades e deixa de lado o caráter contraditório da realidade, que só deveria instigar posicionamentos complexos e suscetíveis ao aprimoramento, à argumentação racional.

Governantes alucinados, bem como seitas de fanáticos que querem culpar os “comunistas” chineses pelo genocídio em massa, não ajudam em absolutamente nada, além de causarem confusão e deixarem as pessoas ainda mais amedrontadas. Felizmente, há no mundo outros tipos de líderes e muita gente imune ao fanatismo: gente que faz ciência, se informa, é solidária, pensa no todo, articula soluções, dá lições de cidadania. É nelas que todos devemos nos apoiar, agora e depois, quando tudo isso passar.

Será difícil, sob quarentena, não abordar o mesmo assunto toda quinta-feira, até que tudo se reinvente e a humanidade desabroche nova. Não haverá nada como antes. Indivíduos e grupos serão diferentes (não se sabe ainda se melhores ou piores) e terão de olhar para si mesmos como vidas duplicadas: antes e depois da covid-19. Ainda que, na aparência, tudo permaneça igual, na essência, de forma sutil e crescente, a mudança estará em gestação. Uma conclusão já é universal: do jeito que éramos não poderemos ser nunca mais.

Por ora, uma certeza: de uma semana a outra, muita coisa continuará a ocorrer. Mas tudo, de um modo insistente, nos lembrará que a verdade é uma construção difícil, que despreza pequenas e grandes mentiras, incorporando-as de modo iludido. A felicidade, se vier, será, enfim, compartilhada. Acabar-se-ão as ilusões.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]