No filme “Um homem sem importância”, de Alberto Salvá, lançado em 1971, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, interpreta um rapaz de 30 anos num dia nada insólito. Depois de perder o emprego de maneira injusta e discutir com o pai, com quem ainda vive, sai em busca de novo trabalho. Sem estudo nem qualificação, Flávio, o protagonista, perpassa horas de intensas contradições, algo bem típico do furacão da modernidade.

A história se passa num Rio de Janeiro que preserva certa atmosfera romântica. Não há retratos da censura ou das perseguições políticas. Ao mesmo tempo, a crítica ao Brasil que declara “Ame ou deixe-o” está viva na tela, sendo explorada numa realidade de pouco amor, muita alienação e sentimentos indiferentes à dor do outro. O roteiro informa que os tempos sombrios invadem as entranhas da vida e não permitem que nada

escape.

Em breves 70 minutos, em preto e branco, o filme de Salvá circunda uma sociedade na qual prevalece o “salve-se-quem-puder”, com indivíduos arredios, crentes de que os outros representam ameaça. Após inúmeras tentativas de obter emprego, a personagem de Vianinha termina o dia desconsolada, ciente de que o amanhã não será nada diferente. A repetição dos fatos esgota ânimos, implode potenciais criativos e acirra as animosidades em família. Adulto, sem dinheiro e dependente dos pais, Flávio é confrontado com um mundo sob hegemonia do capital, desumanizado, interessado no lucro fácil, mesmo que para isso as pessoas tenham de se transformar em meras peças da engrenagem – muitas delas com prazo de validade vencido.

Imagem ilustrativa da imagem Socialização personalizante
| Foto: Reprodução

A existência, contudo, é repleta de sinais contrários, gente disposta a trafegar na contramão. No curso de um dia que lhe joga na cara uma gigantesca desimportância, Flávio conhece a gratuidade da amizade e o esplendor do amor. Entre extremos de eventos só aparentemente desconectados, o filme vislumbra o drama da condição humana, condenada a existir em meio a conquistas e derrotas de quilates desiguais.

Resta a questão: o que de fato importa?

“Um homem sem importância” denuncia o gosto amargo que a corrida pelo dinheiro impõe à boca da vida. Não se trata da busca por um emprego ou da necessidade de ocupar corpo e mente. O objetivo primeiro de tudo é a sobrevivência, cujo imperativo desnuda comportamentos hostis e ambiciosos. No plano de nossos desafetos cotidianos, irrompe o tipo humano burguês, forjado na ideologia de competir, empreender e não olhar para trás. Em seu rastro, contudo, jaz o sentido da vida, um grito que implora por fraternidade e cuidado. Viver pode ser interessante, desde que prioridades sejam revistas e o modo como a sociedade se organiza, revolucionado.

Urge, então, o desafio de desenvolver uma “socialização personalizante”, por meio da qual sejam dignificadas tanto a dimensão individual da existência quanto a alma da vida comunitária. A história vem optando por um dos extremos, sacrificando a singularidade ou deificando a totalidade. Para que homens e mulheres sejam realmente importantes é preciso apostar nessa difícil tarefa de conciliação.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.