O ser humano é essencialmente consciência e liberdade. Enquanto a consciência cumpre as múltiplas etapas da exteriorização (o pensamento que se transforma em palavra e ação), a liberdade avança pelos caminhos de compartilhamento fraterno da realidade.

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A consciência amplia a liberdade quando cria um mundo à imagem e semelhança do seu agente, por meio de ideias e vidas comuns. Das inúmeras maneiras de o ser humano se realizar, o amor, segundo o psicanalista Erich Fromm, é a mais livre e, por isso mesmo, consciente.

Se amar é verbo intransitivo, como queria Mario de Andrade, é também verbo da comunhão, da busca de absolvição do humano diante de sua mais dura condenação: a solidão.

No intuito de tornar-se “o meio” de driblar as adversidades trazidas pela solidão, o amor afasta os indivíduos da loucura e, principalmente, da indiferença. Sem amor, o ser se faz “não ser”, uma vez que se distancia de si mesmo, do espelho que o revela de modo mais profundo. Esse espelho é o “outro”, aquele por quem longas caminhadas são feitas. No final de todas as contas, sobrará a sentença de Emmanuel Levinas: “Amar é jamais poder fugir da certeza de que o homem se faz no outro, eternamente”.

Descentrar-se, constituir-se “ser-no-mundo e “para-o-mundo”. Tais pujanças do amor o tornam radicalmente diferente da paixão, que se enraíza no transitório. Para realizar-se de fato, o ser não pode se valer do calor de seus desejos. É preciso cultivar a serenidade do tempo, a inquietude paradoxalmente paciente do pensar, do saber aguardar, do mexer-se com calma. Se o amor se traduz por infinitas atitudes de zelo, ele não pode ser atropelado por uma sociedade que privilegia o irrelevante e descartável.

A força do amor deve exprimir os elementos para a criação das identidades culturais, tanto na sua dimensão singular quanto na sua dinâmica universal; deve também posicionar-se diante das alteridades, reafirmando o duplo aspecto humano da igualdade e da diferença; deve incitar uniões, favorecer ações solidárias, confraternizações; deve ainda ser responsável por aqueles que podem e sabem amar e também por aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar os salões da vida. Com esses, aliás, devemos ser amáveis à exaustão, definindo novas formas de diálogo, afeto e aperfeiçoamento da condição humana.

O amor é múltiplo e se manifesta por Eros (erótico), Filia (amizade), Ágape (banquete) ou Caritas (solidariedade). Em todos os casos, não pode abrir mão de se situar entre os excessos da alma (psiquê) e as carências do outro (alter). É nessa via de mão dupla que o equilíbrio é requisitado para lidar com as idas ao “outro”, esse espelho de esperanças e lutas em movimento.

Mas há ambiguidades no amor, que Erich Fromm sintetiza em dois conceitos. Enquanto o “amor imaturo” – muito mais comum – só é capaz de dizer: “Amo-te porque preciso de ti”, instrumentalizando a arte de amar, o “amor maduro” é incondicional e humanizador, porque só se faz na máxima: “Preciso de ti porque te amo”.

Ora, se alguém “precisa porque ama”, empresta ao verbo antes intransitivo um complemento valioso à vida, dotando de sentido a busca por uma sociedade de homens e mulheres efetivamente livres e iguais. Uma sociedade madura e amorosa.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]