Espiritualidade não é uma palavra fácil de definir. Em teoria, trata-se da qualidade daqueles que transcendem, vivem para além do imediato, cultivam valores que não se rendem à mundanidade dos fatos. É uma boa tentativa de definição, mas está incompleta. Falta-lhe a dimensão prática: a espiritualidade, não obstante seu olhar pós-horizonte, só se realiza na prática, no encontro com a ação.

Para ser assertiva, a espiritualidade tem de se dirigir ao outro, tê-lo como parceiro de jornadas. É nesse sentido que a espiritualidade é, acima de tudo, comunhão, reciprocidade, aprendizado permanente. Aquele que tem desenvolvida sua vida espiritual leva a sério os valores que defende e põe em prática, ao mesmo tempo que respeita o que sonham e fazem aqueles que lhe são diferentes. A diversidade é a morada da espiritualidade.

A época atual é pródiga em tornar tudo mercadoria, até a dimensão espiritual da existência. Por isso, a fé como negócio se multiplica e ganha terreno, assumindo uma porção da vida que abre mão da reflexividade. Quem desenvolve espiritualidade pensando em ganhos materiais não é exatamente um sujeito de boa-fé.

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. | Foto: iStock

A boa espiritualidade tem relação direta com a decência, ou seja, com adjetivos que definem as ideias de beleza, correção e dignidade. Ter fé é uma forma de embelezar a vida, dando-lhe consistência e ares de graça. O contrário seria a impostura, a feiura, o comportamento antiético e desumanizador. Decência, assim, é qualidade de quem conduz a vida de maneira respeitosa, indiferente ao imediatismo e às inúmeras tentações que almejam corromper os caminhos da fé.

A espiritualidade possui uma dimensão bem ampla de crenças. Ela é plurirreligiosa por natureza. O diálogo também lhe é uma condição imanente. Aqueles que se fecham em fé cega (enaltecendo seus objetos de adoração e desprezando o modo como os outros articulam seus valores de fé) não têm vida espiritual. No fundo – e também na superfície – são fanáticos, desorientados, indivíduos enlouquecidos por visibilidade. A verdadeira espiritualidade se esconde no peito e se revela no amor ao mundo.

O mesmo afixo que constrói a palavra “decência” dá vida à expressão “decoro”, que designa honradez, caráter sólido e coerente. Quem quebra o decoro, abre mão da dignidade e se lança a qualquer tipo de aventura. É por isso que a espiritualidade tem suas exigências decorosas,

como, por exemplo, sentir empatia pelos seres humanos, proteger a natureza, privilegiar a frugalidade e dispor de atenção aos mais humildes. Fora disso, a fé é desonra e mentira.

Eu, particularmente, sou discípulo de Jesus, um homem humilde da Galileia, que, por estar sempre junto aos mais fracos e necessitados, foi acusado, sentenciado, torturado e morto pelos donos do poder político e econômico de sua época. A verdadeira espiritualidade cristã se faz em comunhão com aqueles que não são convidados para os banquetes indecorosos do capital. A fé nas coisas (tão comum hoje) é desonra e indecência.

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