O saudoso filósofo Carlos Nelson Coutinho defendia que a década de 1920 foi um tempo renovador na vida brasileira. Pela primeira vez, no lugar de uma sociedade alegórica e feita em razão das elites, surgia uma sociedade civil em movimento, com capacidade de contestar e dar vez e voz a outros grupos sociais. Em 1922, por exemplo, é fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), sinal de que a classe operária estava amadurecendo e adquirindo consciência de seu papel no mundo moderno.

No campo das artes, o modernismo aparecia para contestar o formalismo acadêmico e o divórcio entre povo e produção artística. Ainda assim, na década de 1940, um dos expoentes dos anos 1920, Mário de Andrade, admitiu que faltou aos modernistas um vínculo mais profundo com as causas populares. Autocríticas à parte, a Semana de 1922, realizada em São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal, dividiu águas e passou a influenciar gerações de novos artistas.

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. | Foto: Reprodução

Interessados no vanguardismo e numa maior subjetividade da expressividade, os modernistas de 1922 viviam num tempo efetivamente diferente, num contexto histórico e social que os impelia à crítica que faziam. Novas modas estavam no ar. Mulheres usavam vestidos ousados, de joelhos à mostra, cortavam os cabelos bem curtinhos e fumavam cigarros, coisa antes reservada ao universo masculino. Havia um prenúncio de revolução sexual em curso.

Mas havia muito mais. Vivia-se a era do rádio e o cinema se expandia sem freios. Na música, o jazz e o samba reorganizavam sonoridades e danças. Na comunicação, havia jornais diversos, um para cada tipo de público.

Os modernistas – que não se resumiam somente à capital paulista – sabiam que a arte diferenciava definitivamente os seres humanos dos outros animais, por isso queriam humanizá-la, dar-lhe tom de manifesto em favor da vida e da felicidade. Como ficou claro nos anos seguintes, a arte moderna queria se servir de todas as artes para fazer-se singular.

A famosa Semana de 22, comemorando agora seu centenário, tornou-se o que é tempos depois de sua realização. Enquanto estava em cena, foi vaiada e criticada, circunscrita a um número pequeno de notáveis artistas e intelectuais, financiados pelo cultura cafeeira e em exibição num espaço luxuoso. A Semana se completou mais tarde, na incontornável influência que exerceu nas artes brasileiras.

O modernismo se estendeu pela poesia de Drummond, pelo cinema de Glauber, pela música tropicalista e pela literatura de Rubem Fonseca. A linguagem renovada e contestadora abriu caminhos e serviu artistas de várias novas gerações. A estética modernista ia bem em cabeças que queriam romper barreiras e promover o novo. A ética dos modernos, por sua vez, respirava um mundo em constantes transformações.

A Semana de 22, nesse sentido, ainda está em cartaz. A antropofagia que dela se extraiu influenciou artistas por muitas décadas e de várias visões da arte e do mundo. Ainda em reverberação, a Semana de 22 não tem data para acabar.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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