Um adágio é, ao mesmo tempo, um provérbio de origem na sabedoria popular e um andamento musical lento, recheado de batidas e marcações prolongadas. Já faz algum tempo que decidi aproximar meu pensamento dessa ideia “modesta e vagarosa”. Diante dos fatos e das evidências, prefiro me basear naquilo que tem tradição e fortuna crítica – e faço isso sem pressa, sentindo o vento no rosto e absorvendo com muita calma a sonoridade de cada tempo e espaço.

Rita Lee morreu há duas semanas. Como fã, aguardei que todas as homenagens fossem apresentadas, tudo que pudesse ser dito viesse à luz, esgotassem juízos positivos e negativos. Adotei perante minha dor particular um prudente silêncio. Nos adágios de minhas reflexões, sem exceção, existe uma regra fundamental, qual seja: “se puder, pense longe das temperaturas mais quentes”.

Esfriados os ânimos e assimilada a perda, resolvi escrever um pouco sobre a mulher que foi mutante, tutti frutti e estrela solitária. A ideia não é render ode à grande artista nem reprisar palavras de amor infinito diante da irreparável ausência de uma cantora genial. O que me interrogou nestes dias de reclusão dos sentimentos foi o papel desempenhado pelas músicas de Rita Lee na trilha sonora da minha vida, sem que eu percebesse a magnitude disso.

Após o anúncio de sua morte, revisitei alguns de seus álbuns mais marcantes. Neles, encontrei canções que interpretaram minha infância, o primeiro amor adolescente, os diferentes ciclos escolares, a chegada ao ensino superior, os anos de ciências sociais na UEL, o namoro com minha esposa, o casamento, o nascimento do meu filho, os estágios díspares da carreira profissional, o amadurecimento das ideias, os momentos de busca interior e os episódios (às vezes de puro desatino) de objetivação no mundo.

Entendi que para cada leitura que fiz havia uma canção de Rita Lee; para cada viagem vivida, um refrão da rainha do rock fazia minha cabeça; para cada desafio da história, um álbum específico de Santa Rita de Sampa me obrigava a mergulhar na imensidão da alma. Como paulistano nato (não obstante meu amor incondicional a Londrina nos últimos 30 e poucos anos), é fácil compreender meu amor por Rita Lee. Afinal, ela cantou a cidade e suas personagens, oferecendo-me um retrato de mim mesmo, daquilo que sou e não posso negar jamais.

Essas reflexões intuem compreender o tanto de vida existente na arte. Responsáveis por atiçar nossa sensibilidade, a música, a literatura, o cinema, o teatro, a poesia, o cinema, a pintura, tudo suscita conhecimentos que não cabem na razão reivindicada pela ciência e pelos métodos que prometem comprovar o que apresentam. Rita Lee é tão importante em minha visão de mundo quanto os sociólogos que leio e levo para a sala de aula ou para os textos que redijo. São saberes complementares, dois adágios, uma só realidade.

Concluo a coluna de hoje cantarolando “Agora só falta você”, de 1975, ciente de que a arte de Rita Lee, seus gestos e sua importância histórica na cultura brasileira serão para todos nós presença eterna.

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