Em recente pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma história já bastante conhecida se repete: meia dúzia de bilionários divide entre si quase metade da renda nacional, ao mesmo tempo que multidões de brasileiros partilham migalhas, sobrevivendo à miséria e ao esquecimento.

Imagem ilustrativa da imagem Renda básica de cidadania
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Há mais riqueza concentrada entre os ricos brasileiros do que se pode tolerar. Os desníveis salariais, as discrepâncias no aporte de patrimônio, a distinção no acesso a bens públicos e o peso negativo dos estigmas socioculturais revelam um país obsceno, erguido sobre a exploração atroz das populações pobres e mantido por sucessivas condenações da maioria dos não cidadãos à margem dos direitos humanos.

Negacionistas – “profissão” em moda nas tessituras autoritárias contemporâneas – refutam a desigualdade com a mesma desfaçatez com que lançam pedras nos cânones científicos e nos saberes múltiplos da vida humana. Em nome do que chamam de “meritocracia” (seja lá o que isso signifique na periferia do capitalismo), acusam os excluídos pela exclusão, rechaçam toda ideia de opressão e romantizam os poderosos, dando-lhes feições de super-heróis numa santa cruzada contra o banditismo estatal. O discurso sobre a existência da desigualdade social seria, portanto, coisa de comunista que não quer trabalhar ou justificativa para inspirar atitudes de Robin Hood entre os “inteligentinhos” da esquerda maldita.

Se não existem males que vêm para o bem, há males que denunciam outros males. A pandemia do novo coronavírus expôs os cruéis níveis de concentração de renda e riqueza no Brasil e no mundo. Do mesmo modo, pautou o debate sobre a necessidade de uma renda mínima para todos os indivíduos, independentemente das situações consideradas emergenciais. De onde sairiam os recursos? Ora, basta que os epítetos da vergonhosa ostentação de poucos sejam deslocados para a mão de muitos. Uma renda básica, que garanta dignidade a brasileiros de todos os cantos do país, seria também uma lição de justiça tributária, que depende, é claro, de (muita) coragem política.

Uma política universal de renda básica enfrentaria a desigualdade, garantindo a circulação de bens e serviços. Ao distribuir os frutos da riqueza coletiva, promoveria acesso de fato aos cofres do capital cultural e simbólico – mais gente teria oportunidade de se transformar naquilo que quisesse, e não no que a chaga da pobreza impõe.

Uma renda básica universal faria da economia um instrumento da cidadania, investindo na consolidação de uma visão de mundo de longo alcance, capaz de projetar o país para diversas futuras gerações, em vez de se limitar ao imediatismo mercadológico.

Os remédios para enfrentar a desigualdade social são os mesmos de sempre: saúde, educação, ciência, informação de qualidade, cultura e abertura dos sentidos para uma existência que não dependa do consumo fugaz e do desperdício de tempo, bom senso e chances de preservar e aproveitar o meio ambiente, a vida comum, os muitos prazeres das infinitas paixões. Para tanto, o luxo e o excesso de uma minoria predatória devem ser encarados como reversos da igualdade e, por extensão, da liberdade humana.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]