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Acredito muito na força das grandes ideias. Ao mesmo tempo, desconfio de dissabores repentinos, arrependimentos ao pôr-do-sol. Nesse sentido, sou adepto da autocrítica como emblema da coerência de propósitos.

O filósofo Emile Auguste Chartier (1868-1951) escreveu que, quando se defrontava com alguém que negasse a dicotomia “esquerda/direita”, observava bem a pessoa e logo percebia que ela nunca era de esquerda. É certo que motivos para a negação não devem faltar.

Estar ao lado daqueles a quem foi negado provar o gosto das frutas (os “de baixo”, como ensinou Florestan Fernandes) é tarefa árdua e ajuda a acumular derrotas. Muito mais fácil é olhar para o mundo e propor que tudo permaneça como é e está, dedilhando pequenas alterações, culpando o miserável pela miséria e o trabalhador pelas injustiças da vida. É simples e bastante dissimulado gritar por aí que tudo depende de cada um e que toda força coletiva é sempre autoritária e endemoninhada.

Há essências que o universo das aparências mercadológicas não contempla: o conhecimento, a afetividade que humaniza, a arte desinteressada, o amor incondicional... Nas cercanias do dinheiro, tudo isso é valor de troca, banalidades que impedem a acumulação de bens, posses e status distintivo.

Nasci, cresci e pretendo morrer à esquerda por julgar sinceramente que a vida pode ser muito mais, que os sonhos precisam se arriscar pela contramão. À esquerda, vejo-me em paz para lutar pela liberdade e questioná-la em suas adulteradas modalidades mercantis e exclusivistas. À esquerda, assisto ao ideal da igualdade como indiscutível, inegociável, e à força da soberania popular como protagonista da verdadeira felicidade.

À esquerda, sinto e sei que o coração bate em sua morada certa, acolhedora, com olhos e alma transparentes. À esquerda não há por que se vender – o que está por vir (o futuro que certamente podemos influenciar) não tem nem terá preço. Insisto ser assim porque levo no peito essa coragem de desdizer quem se acomoda no dado, tido, irrefletido. A teimosia que me move deu vida também a todos que nunca tiveram medo nem vergonha de erguer bandeiras reveladas como justas, ainda que negadas e combatidas duramente pelos injustos.

Caminhando pela esquerda, vejo a vida acenar com cores de paz e amorosa convivência para o amanhã que terá em si a memória de todas as lutas, todas as utopias de sangue e esperança.

Sem ódios nem apelos ao outro mundo (aquele que existe na cabeça e nos desejos de quem só vê neste aqui pecado, erro e discórdia como itens da natureza e da inevitabilidade), quero viver e forjar o tempo daqueles que virão, dar-lhes pistas, abraços, mapas para a festa. Mantenho-me à esquerda porque meu povo é a humanidade e minha pátria, o planeta inteiro.

* Crônica redigida em junho de 2013

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