O Instituto Sou da Paz divulgou recentemente números de uma pesquisa que apontam a existência de mais de 40 decretos federais facilitando a aquisição de armas de fogo no Brasil. Trata-se do mesmo país em que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) caiu pela primeira vez depois de 30 anos de pequenos crescimentos. É óbvio que não existem relações diretas entre os dados; do mesmo modo, seria ingenuidade supor que eles não dizem, a um só tempo, muita coisa sobre as prioridades políticas de quem está à frente da nação.

Não é novidade o tamanho do desprestígio que áreas como as de educação, cultura e ciência vêm sofrendo nos últimos anos. Seguindo a lógica de um pragmatismo exacerbado, tornou-se irrelevante investir no futuro. Já foi dito: o objetivo é colocar abaixo a história feita até aqui. Não é por acaso que o flerte com a barbárie é tão assustador. Para onde quer que se olhe, o Brasil aparece em contínuo processo de desintegração.

Não se trata de uma inclinação ideológica desfavorável à classe que está no poder. Antes fosse isso. Há um fenômeno em curso – o bolsonarismo –, e a democracia é seu alvo principal. Vale tanto para a democracia como modo institucional de fazer política (representativo ou direito, aberto e republicano) quanto para as formas de vida que a ela se associam (plurais, diversas, em permanente estado de trocas e diálogos). Infelizmente, o bolsonarismo não será um problema a vencer só no voto – ele perdurará como estilo de vida que adota o ressentimento, o ódio e a violência como emblemas.

Fala-se muito em polarização política. Ocorre que só há um extremo. O lado oposto, como se pode observar, é afeito à democracia, constitui-se de uma ampla aliança e, quando esteve no poder, não atentou contra as instituições nem disseminou blagues mórbidas a torto e a direito. Do ponto de vista da violência política, cabe uma pergunta: que polarização é essa em que só os membros de um lado morrem ou sofrem ameaças e humilhações? O fato é que não há extrema-esquerda viçosa no Brasil (nem no mundo, hoje), o que certamente levaria a um equilíbrio em franco favorecimento aos pontos democráticos do espectro político.

O Brasil, nunca é demais ressaltar, tem um longo e persistente passado colonial. Por aqui, ainda que muitas intenções fossem louváveis, as ideias mais “avançadas” foram importadas e estiveram fora do lugar, obrigadas a dividir a cena pública com o atraso e o desmando. Aliás, é rara a presença de uma esfera pública em território nacional. O que vigorou desde sempre foi a privatização de tudo, ou seja, a tomada à força dos espaços decisórios e de poder. O processo de democratização é noviço e se enfraquece diante de gigantescos sentimentos autoritários, presos às vísceras da sociedade.

No horizonte político, contudo, alentos oferecem luz. Uma aposta de fé (que exige ações) permite concluir que tudo isso irá passar, sendo, tão logo quanto possível, apenas uma triste lembrança.

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