No último dia 19 de setembro, Paulo Freire teria completado 100 anos de nascimento. Ocorreram e ainda estão ocorrendo inúmeras homenagens ao mais importante educador brasileiro, um intelectual mundialmente reconhecido. Todo professor, em alguma medida, é devedor a Freire. Tanto aqueles que nele se inspiram quanto os que dizem odiá-lo têm em comum a busca pela liberdade em seu ofício; desejam poder trabalhar com autonomia; ressentem-se da falta de apoio na vida social; tornam seu dia a dia uma missão das mais nobres, embora quase sempre recheada de pedregosos caminhos.

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. | Foto: Sérgio Tomisaki/ Folhapress

Particularmente, estou entre aqueles que devem muito a Freire por admirá-lo e tê-lo como exemplo profissional e humano. Seu reconhecido temperamento de convergências, em busca de aproximação com o outro, me anima e movimenta. Tenho aprendido muito mais com aqueles que são diferentes do que com os que se dizem iguais a mim. Aqui cabe uma advertência: diferença não é antagonismo. Com os “antagônicos”, como dizia Paulo Freire, não há diálogo possível, uma vez que toda tentativa de conciliação será mediada pelo conflito, pela ideia de que um dos dois lados deve se sair vencedor. Na educação como prática da liberdade, entretanto, não há derrotados: todos precisam se consagrar triunfantes.

Das lições de Paulo Freire que mais me impactaram está a convicção de que num processo de ensino/aprendizagem não se “fala para”, mas se “fala com”. Os alunos têm saberes, histórias, trajetórias de vida. Nesse sentido, ao perguntar com quem falo, com quem estou dividindo espaço e tempo, identifico sujeitos de conhecimento, capazes de aprender e ensinar ao mesmo tempo. Como ato político, a educação é também um processo formativo: cria cidadãos potencialmente conscientes de sua realidade particular e social, habilitados para promover mudanças no mundo envolvente.

Quando preparo minhas aulas tendo como ponto de partida a ideia de que irei “falar com”, levo em conta a quantidade de saberes com os quais irei cruzar. Concluo que há enormes potências no senso comum, nos saberes ancestrais, nas artes, na filosofia e em tudo que é forma de apreender o mundo. Paulo Freire, se estivesse ainda conosco, ficaria encantado com a filosofia do Bem Viver, um esforço intelectual e prático de reunir antigos saberes com a necessidade de preservar a vida na Terra – o Bem Viver não quer o humano no centro de tudo; quer que ele esteja ao lado de tudo, protegendo o meio ambiente e à cata de novas ideias sobre progresso, felicidade, convivência.

Paulo Freire irá permanecer atual enquanto a luta contra as desigualdades sociais for necessária. Quando escreveu sobre o oprimido no processo educacional, fazia referência aos “de baixo”, aqueles que não têm condições mínimas de atuar almejando um lugar no mundo existente. Para que os “de baixo” possam se dizer gratos à escola e aos seus professores, eles precisam estar diante da possibilidade de mudar radicalmente a realidade, significando-a à sua imagem e semelhança. Esta é base do pensamento do inesquecível Paulo Freire.

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