“Rua de mão única” é um livro que Walter Benjamin redigiu durante a experiência democrática da República de Weimar, na Alemanha, publicando-o em 1928. É uma coletânea de textos curtos que versam sobre quase tudo: literatura, artes, vivências cotidianas, desejos etc. Numa dessas breves reflexões, intitulada “Atenção aos degraus!”, Benjamin discorre a respeito do modo como se constroem trabalhos de boa qualidade. Eles teriam três níveis: um musical, o da sua composição, um arquitetônico, o da sua construção, e por fim um têxtil, o da sua tecelagem.

Levo a sério as recomendações daquele que reputo o mais importante pensador do século 20. Aliás, vale destacar, Benjamin é unanimemente considerado um dos mais talentosos prosadores do mundo moderno. Sua obra, para além da profundidade analítica, é de uma beleza estética ímpar. Todo bom escritor tem em Benjamin uma fonte inesgotável de inspiração.

A lembrança das recomendações do autor de “Passagens” me veio à mente porque eu gostaria de escrever uma crônica, nestas vésperas das eleições presidenciais mais importantes nas últimas décadas, que tocasse os leitores. Não quero com isso impor nada. Não me considero portador de verdade nenhuma. Desejo apenas debater respeitosamente algumas inquietações que têm movimentado o país.

Para compor, construir e tecer linhas que disputem corações e mentes, é preciso que a principal mediação seja a verdade amplamente constatada. É nesse sentido que penso com dor nas 700 mil mortes causadas pela Covid-19, muitas delas evitáveis, não fosse a negligência criminosa do governo federal em palavras e ações. Quem acompanhou o triste percurso da pandemia no Brasil ainda se assusta com a quantidade absurda de declarações desumanas proferidas pelo presidente da República. Elas ecoam como o vento da morte e pairam sobre nossa memória republicana.

Imagem ilustrativa da imagem Para compor, construir e tecer o Brasil
| Foto: iStock

Penso também no regresso da fome. Há cada vez mais gente vivendo nas ruas, revirando lixo, esmolando algo para comer. É de escandalizar a quantidade de irmãos sem lar, sem emprego, sem dignidade. Isso, decerto, não é obra do acaso; é reflexo da mesma indiferença que abandonou uma nação inteira às peripécias do coronavírus.

Infelizmente, a desgraça tem andado a cavalo entre nós: degradação dos sistemas educativo, científico e cultural; desastre ambiental; agravamento das desigualdades econômicas e sociais; aviltamento das condições de trabalho; massacre das populações periféricas; aumento de toda sorte de preconceito e violência. Não, não é um cenário de guerra. É uma imagem, com raízes, de um país que permitiu se entregar ao ódio, à truculência e a um projeto que só vale para endinheirados, militares (e milicianos) e eternos cúmplices do poder. No limite, parece um lugar de ficção, de tenebrosa distopia.

Para recompor, reconstruir e tecer novamente este país, é urgente que no próximo domingo, dia 30 de outubro, cravemos um voto indignado e, ao mesmo tempo, cheio de amor nas urnas. Se a esperança está viva, é hora de convocá-la para reerguer o Brasil. Nunca dependeu tanto de nós.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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