Em seu breve e importante ensaio “O tempo das paixões tristes” (Vestígio, 2019), o sociólogo francês François Dubet investiga as múltiplas desigualdades nas sociedades contemporâneas. Diversificadas e individualizadas, as desigualdades aguçam discursos políticos oportunistas e criam um mundo fragmentado, sem grandes sinais de vida coletiva. O poder da desigualdade, portanto, é o de pulverizar a experiência humana.

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Não se trata mais, hoje, das velhas desigualdades de classe, típicas das economias industriais, as quais ensejavam lutas sindicais e resistências políticas em favor de melhores condições de trabalho e vida. As classes foram repartidas e manteve-se coeso somente o andar de cima, onde residem os milionários da Terra. Nos demais andares da pirâmide social, coexistem centenas de milhares de identidades individuais, cada qual em busca de seu próprio caminho para a felicidade.

Ocorre que os frutos da Terra não são distribuídos de maneira justa ou igualitária. Na ausência de uma consciência política que os ligariam a grupos maiores e mais fortes, os indivíduos encontram a expressão pessoal da raiva, do ressentimento e se tornam reféns dos populismos de plantão. Na solidão das identidades e no desespero por não vislumbrar um lugar ao Sol, cada um compete com todos os outros. A competição é horizontal e se dá entre membros de uma mesma classe, sem que seja percebido o entrave político dessa opção.

As “paixões tristes” a que se refere Dubet no título de seu livro são, na verdade, esse silêncio coletivo que abre espaço para solidões sem fim. Se, num passado não muito distante, a qualidade de vida e a boa renda eram garantidas a todos os membros de uma classe social, o que agora acontece é a hipercompetição individual, com sujeitos praticando marketing digital, alheios a aspirações futuras que não digam respeito exclusivamente a si mesmos.

Na política, os ódios se acirram. Tudo que alguém não tem ou não consegue conquistar é culpa do outro, daquele que pensa e vê o mundo de um modo diferente. Os afetos, assim, são negativos, afastam as pessoas umas das outras, criam barreiras intransponíveis. O emprego que não se tem, a casa onde não se mora, o dinheiro que falta, o status que não se alcança, tudo é jogado nas mãos dos outros, criando uma sociedade doente, polarizada, na qual o diálogo se encontra suspenso por tempo indeterminado.

Enquanto isso, a desigualdade global cresce e se anima. O meio ambiente se vê sufocado. As modalidades de trabalho e renda rareiam. Os ódios grupais se dilatam e se dirigem a minorias sem direito a vez e voz. A vida democrática empalidece. Os direitos duramente conquistados são lançados numa cratera de precariedade e empobrecimento.

Resistir a tudo isso passa pela compreensão do lugar de cada um no mundo, suas inter-relações e intercâmbios; passa, sobretudo, pelo revigoramento de afetos positivos, que unam as pessoas em torno do desejo de lutar por um mundo melhor. Para todos.