André Dahmer, um dos cartunistas mais talentosos do Brasil, criou recentemente a personagem Algoritmo, para protagonizar a série de tirinhas “Quadrinhos dos Anos 20”. Quem acompanhou as sagas anteriores de Dahmer – como, por exemplo, “Malvados”, “Vida e Obra de Terêncio Horto” ou a seminal “Quadrinhos dos Anos 10” – sabe que ele é portador de um humor ao mesmo tempo fino e ácido, capaz de fazer rir e refletir sobre a vida que estamos levando.


Algoritmo parece e não parece um astronauta (prefiro cosmonauta); parece e não parece um homem-foguete, aquele tipo de herói que admirávamos na infância. Ele é propositadamente ambíguo. Por ser hiper-real, ele nos fala da fatualidade que negamos, à qual juramos pertencer só de mentirinha. Fato, contudo, é que as fronteiras entre verdade e falsidade se dissiparam, viraram poeira num tempo que sabe muito pouco a respeito de si mesmo.


Nas novas tirinhas de Dahmer, Algoritmo oferece violência gratuita, tratamentos mágicos para doenças seculares, dietas certeiras, promoções impressionantes, promessas de felicidade fácil, amores eternos. Do mesmo modo, coíbe distrações com livros, conversas ao vivo e em cores, aprendizados pela experiência, contato com a vida natural, cultivo do amor-próprio, despertar da sensibilidade diante da dor dos outros.

O objetivo dessa figura tão característica dos novos tempos é entreter e barbarizar, refugiando os indivíduos em microcosmos ilusórios, hiperconectados, alheios aos acontecimentos tanto centrais quanto marginais da realidade inevitável e ameaçadora.


Eu, honestamente, desconfio bastante do poder de Algoritmo, embora não seja capaz de desdizer sua enorme influência sobre as escolhas e o comportamento das pessoas.

Algoritmo me persegue nas predileções literárias, musicais e cinematográficas. Toda vez que acesso um conteúdo desses na internet, lá vem ele me oferecer algo mais. Invariavelmente, erra feio.

Algoritmo é circunstancial, linear, trabalha por meio de padrões e repetições. É o caso curioso do famigerado ChatGPT. Dias atrás, provoquei a atual coqueluche da Inteligência Artificial (IA) perguntando-lhe sobre duas importantes figuras históricas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), um de meus objetos permanentes de pesquisa. Acerca da primeira, reproduziu equívocos e platitudes, sendo bastante inferior ao problemático texto da Wikipédia. Da segunda, não disse nada: confessou nem conhecer.


Impressiona-me o alarde feito em torno desses temas advindos da virtualização da existência. Via de regra, decreta-se o fim da espécie e surgem medos incontidos sobre nosso destino como gênero humano.

O que há é um desvio de rota: a miséria, a exploração, a desigualdade, o poder que esmaga e expropria, nada irá superar essas “obras” tão potencializadas sob o capitalismo e hegemonizadas pelo jeito burguês de existir.

Algoritmo é apenas desdobramento de um mundo historicamente hostil, no qual aquilo que é humano nunca foi de fato prioridade. É na imagem espelhada de nós mesmos que está a maior ameaça contra a humanidade.