O líder indígena Ailton Krenak, uma das figuras públicas mais inteligentes do país, nos conta sobre o enorme silêncio que existe dentro de nós, segundo uma lenda guarani. Como se fosse uma vasta floresta, esse silêncio é o espaço onde aprendemos a respeito do que somos e podemos fazer. Viajamos por essa floresta em busca de serenidade, para que tenhamos um minuto antes de responder aos fatos do mundo. Em síntese, essa imensidão silenciosa cumpre o papel daquilo que conhecemos por consciência.

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Vivemos, então, numa sociedade inconsciente. Poucos são aqueles que se permitem um momento de refúgio. Somos chamados a responder a tudo de pronto. O imediato é o segredo do mundo capitalista, onde não há tempo a perder. Atônitos, somos pescados pela pressa e, quase sempre, pelo arrependimento. Não há quem nos ensine a agir conscientemente, cultivando silêncios, dando tempo ao tempo.

A “correria” é sinal de um mundo irreflexivo. Cumprimos mil papéis, frequentamos inúmeros ambientes, damos retorno a mensagens que não param de chegar. O aparelho celular transforma-se em um membro do corpo, que não podemos ignorar. Numa época de vidas on-line, clicamos incessantemente em links e imagens, esperando com isso aprender algo novo. O volume de informação é tão grande que não filtramos mais nada: a irrelevância tomou conta de nossas preocupações.

Presos ao eternamente passageiro, deixamos de observar o que realmente importa. Não há tempo reservado para uma boa leitura, a escuta de um álbum musical ou a vista atenta de um filme. Corremos para juntar dinheiro e cumprir as expectativas que essa sociedade adoecida faz repousar em nós. Desequilibrados, consumimos “fake news”, apoiamos tiranetes, damos eco a palavras estúpidas e posturas criminosas. Assim, a floresta íntima que existe em todo o mundo é devastada, queimada, maltratada. Somos os principais agentes de nossa iminente extinção.

Ainda há tempo para mudar essa história. Para tanto, é urgente que resgatemos o silêncio que nos prepara para a vida. Dizer não à pressa de tudo, recolher-se por momentos preciosos, pensar antes de falar, fazer mais amigos, amar mais gente. Todas essas coisas “banais” revelam a diferença entre humanos e desumanos. Para coibir o intenso ritmo de nossa desumanização – os processos sociais que nos tornam autômatos – é necessário um banho de gente e sensibilidade. Como alertou o escritor argentino Ernesto Sabato, combater o barulho que nos desorienta é a única chance que temos de tomar posse de nossas vidas.

Seria um modo respeitoso de tratar os povos originários do Brasil praticar essa ida ao silêncio de que nos fala Krenak. A imensidão da floresta, com seus rios e matas virgens, pode dar sentido diverso à vida. No mínimo, aprenderíamos a ser afetuosamente inter-relacionados. Diante da alternativa que temos (o mundo como ele é), a opção pela valiosa lição dos povos guaranis é a única que vale a pena. Um minudo de silêncio, por favor.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.