Há alguns anos deixei de participar dos debates instantâneos da chamada “era da informação”. Venho escapando, desde 2014, a comentários em TV, rádio ou círculos que se formam de uma hora para outra no intuito de analisar eventos ainda quentes. Educadamente, digo não aos convites que desejam romper o silêncio a que me dedico com entusiasmo.

Muita coisa vem mudando no mundo, acelerada e descontinuamente, nos últimos tempos. A internet, com sua incontornável ausência de mediações, ocupou o centro das atenções e é hoje uma espécie de esfinge: em vez de ser decifrada, contudo, devora tudo e todos.

Não frequento redes sociais. Já tive perfil em algumas delas e até ensaiei retornos. Não suportei mais do que poucos dias. O roubo do tempo – talvez o mais grave dos pecados do capital – me tirava de cena: a pilha de livros crescia sobre a mesa e os escritos andavam de mal a pior. Meu temperamento, avesso a polêmicas baratas e debates estéreis, deu a cartada final: voltei aos livros, refiz planos de qualificação pessoal e acadêmica e delineei onde e de que modo participar do debate público. Foi a mais sábia decisão da vida.

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. | Foto: iStock

Estou redescobrindo obras e autores clássicos, “zerando” as pilhas de publicações não lidas que enfeitam os móveis da casa, dedicando muito mais tempo à escrita, aos bons filmes, à música e, acima de tudo, à convivência humana. Dizem que os filhos precisam de nós e requerem cuidado especial. Eu desafio esse imperativo. Nós, adultos, é que precisamos dos filhos, de sua visão idílica, de seu romantismo ainda íntegro. Graças ao tempo que passo com João Gabriel, humanizei minhas ideias, refinei minhas convicções, ampliei minha cosmopercepção. No lugar da abstração infecunda das redes sociais, o riso do João e a beleza de Julio Cortázar, Gabriel García Márquez, Leonardo Padura, Lima Barreto, Mia Couto, Luiz Alfredo Garcia-Roza e a poesia completa de Bertolt Brecht têm feito a minha cabeça – e o meu coração, principalmente.

Concordo com o escritor angolano José Eduardo Agualusa: livros erguem pontes e derrubam muros. A leitura de uma obra de ficção nunca termina: suas questões não abandonam o leitor, renovando-se diariamente. É por isso que se faz impossível imaginar sujeitos autoritários apreciando um bom livro, emocionando-se com histórias ficcionais, amores impossíveis, terras prometidas, amizades inabaláveis. Nada disso lhes faz a cabeça. Eles são adeptos de muros, impedimentos, mentiras, horrores. Por isso vivem no mundo virtual, disseminando ódio em redes sociais, repletas de proselitismo tacanho e muita falsificação da história. Entre eles e o mundo, léguas de muros robustos e tristes.

Nestes tempos desesperançados, é vital a pergunta: “O que me faz a cabeça?” Da consequente reflexão poderão emergir saídas tanto individuais quanto coletivas para as inúmeras crises em movimento.

Bons leitores preferem difíceis perguntas a fáceis respostas.