Difícil não falar em Dom Phillips e Bruno Pereira. O assassinato deles, em plena floresta amazônica, ainda ecoa pelo mundo. As perguntas sobre o porquê das mortes movem as mentes mais inquietas e preocupadas com justiça e liberdade. Sabemos, de antemão, que a questão da terra no Brasil é letal; conter o avanço ilegal de grileiros, garimpeiros e madeireiros, demarcando a terra a quem de direito (indígenas, quilombolas e demais povos da floresta), põe em xeque a sobrevivência de seus protagonistas.

Não cabe ingenuidade nessa história. Wilson Pinheiro, Chico Mendes e Dorothy Stang, entre tantos outros ambientalistas e líderes comunitários, morreram em prol de uma Amazônia sem crime organizado nem exploração estúpida. O que se quer saber, no caso de Dom e Bruno, é o que ainda insiste em prevalecer por lá e quem são os grandes beneficiados da ocupação miliciana da floresta. Sem atingir o ponto nevrálgico de toda essa sangria desatada não haverá jamais justiça possível – e as florestas brasileiras permanecerão terra de “ninguém”.

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. | Foto: iStock

É sabido que o atual governo federal entregou a Amazônia ao deus-dará, liberou a ocupação sem contornos e estimulou as atividades predatórias. Os números estão aí: nunca se devastou tanto a floresta como agora. No meio do caminho, terras indígenas, reservas extrativistas, patrimônios quilombolas e espaços de exploração inteligente das riquezas naturais sofrem ameaças e convivem com impasses. Quando serão de fato protegidos? A partir de que momento sua existência será prioridade nas políticas de vigilância e preservação da Amazônia? Onde atuam e como funcionam os órgãos ambientais e de fiscalização? Respostas a essas perguntas exigem rapidez e um mínimo senso de humanidade, sentimento que o chefe do Executivo do país já demonstrou não ter.

Logo que se confirmou que Dom e Bruno foram assassinados, enviei para alguns contatos em rede uma imagem do brasileiro cercado de indígenas, à noite, ensinando a eles como lidar com um computador. A imagem é comovente. A expressão de respeito e carinho daqueles que cercam Bruno é notável. Abaixo, acrescentei um dizer: “Essa imagem diz tantas coisas...”

A fotografia, penso eu, diz que cidadãos como Bruno e Dom não cabem no Brasil contemporâneo, por isso foram tão covardemente “eliminados”. Aliás, que valor democrático se adapta a tempos de destruição e ódio? Onde depositar esperança quando tudo que parecia sólido (e importante) se desmancha pelo ar? Nem o voto, o mais modesto dos símbolos democráticos, parece receber apreço daqueles que governam o país. O problema é que a democracia é muito mais do que isso; é comida na mesa, salário no bolso, escola decente, hospital eficiente, subjetividades humanizadas e estimulantes... A morte de Dom e Bruno são um retrato do descaso com o qual são tratadas a coisa pública e a vida humana entre nós.

O bom é que a imagem que distribuí fica com a gente, reluz na memória. Ensina, como escreveu Walter Benjamim, que só pelos injustiçados nos é dada a esperança.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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