Grandes expectativas costumam resultar em enormes decepções, principalmente quando fundamentadas longe da vida concreta. É o que ocorre na experiência histórica de povos que depositam em heróis a sua salvação. Reis ou mitos, invariavelmente, lançam baldes de água fria na ingenuidade daqueles que lhe confiam o futuro. O pior disso tudo é o desânimo que abate os corações frustrados. Da indiferença à estigmatização do outro, as consequências nunca são frutíferas.

Imagem ilustrativa da imagem O ‘homem novo’
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O saudoso filósofo marxista Leandro Konder (1935-2014), mestre de várias gerações de intelectuais e militantes políticos brasileiros, contava uma saborosa história sobre a viagem de seu pai, Dr. Valério Konder, médico sanitarista ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), à antiga União Soviética.

Inicialmente entusiasmado diante da expectativa de conhecer o “homem novo” que surgia na construção do mundo do Leste, o pai de Leandro retornou ao Brasil, meses depois, meio chateado. Ao rever o pai, o autor de “A derrota da dialética”, perguntou:

- E aí, pai, como é o “homem novo” lá na União Soviética?

Cabisbaixo e convicto de que algo muito errado lhe fora dito, Dr. Valério respondeu:

- O “homem novo” por lá, meu filho, é meio velho...

A mudança de fachada não produz alterações nos fundamentos da existência. O “novo” não surge por um simples ato de vontade. Ainda que as intenções sejam honestas e o empenho dos envolvidos seja grandioso, a transformação é processual, cheia de contradições, em que o singular e o universal se debatem, estranhando-se mutuamente. Aqueles que acreditam em semideuses e retóricas desenhadas por burocratas não terão outro destino senão a vergonha.

Como explicar, por exemplo, aos adultos de amanhã, que, em nome do combate à “velha política”, nós, brasileiros, elegemos para conduzir o país o lixo da história? Por aqui, assim como na constatação do Dr. Valério Konder, um sujeito humano raro e genial, o “novo” logo se revelou meio “velho” também.

icon-aspas “Quem se acredita porta-voz do universal, combatendo certas partes e promovendo a orgia festiva de outras, não tem outro nome: é fascista”

É necessário, contudo, separar o joio da joia: não há problema em se acreditar no homem e na mulher novos, assim como parece bastante oportuno que se lute incansavelmente pela sua realização. O equívoco é acreditar que ele e ela virão pela mente brilhante de algum explorador do romantismo alheio, alguém que se considere superior a qualquer particularidade.

Sabe aquela camiseta na qual se lê “Meu partido é o Brasil”? Pois é. Nada mais falso. Todos temos partido e conseguimos perceber o mundo apenas em alguns dos seus aspectos – a intenção é o universal, mas o alcance real de nosso pensamento e de nossas ações será sempre menor do que a realidade compreendida em sua totalidade complexa. Quem se acredita porta-voz do universal, combatendo certas partes e promovendo a orgia festiva de outras, não tem outro nome: é fascista.

Será sempre profícuo o legado que Dr. Valério deixou ao filho Leandro Konder, que, por sua vez, transformou em ouro a pedra bruta da experiência paterna: um novo ser humano só nascerá na, da e pela democracia. O resto é bravata no Twitter.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]