Das coisas que aprendi com o velho Marx (não foram poucas), duas são cada vez mais fortes e evidentes: os princípios da totalidade e da contradição.

A totalidade, que é uma questão de método, é difícil de explicar. De forma muito breve, pode-se dizer que se trata de uma tentativa de abraçar todas as dimensões que envolvem a existência de um determinado fenômeno. Não existem explicações simples para eventos complexos, bem como é vã a tentativa de tomar as aparências como a realidade em si mesma. Há muito mais entre o Céu e a Terra do que podemos imaginar.

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Assim, buscar a totalidade é investir numa percepção que não descarte a multiplicidade de determinações que caracterizam os acontecimentos da vida. A fome, o desemprego, a alienação generalizada, a mesquinharia promovida pela caça ao dinheiro, a sede pelo sucesso e pelo poder, tudo isso requer, para ser compreendido e superado, a captura de uma enorme trama de significados e conexões. Nesse sentido, o entendimento e a transformação do mundo dependem da capacidade reflexiva de ir além das evidências, dos discursos prontos, das deliberações unilaterais. Ainda que inatingível em termos práticos, a totalidade deve ser o horizonte de todo exercício de inteligência. É a base do pensamento crítico.

A contradição, por sua vez, é inerente à realidade. Quando números não batem ou argumentos colidem, ela vem à tona e revela sua faceta insuperável. Como explicar que um país tão rico como o Brasil seja tão injusto e desigual? Como aceitar que a riqueza produzida por todos se concentre nas mãos de uma ínfima minoria de biliardários? De que modo ajuizar que muitos dos que se dizem cristãos defendam pena de morte, gente endinheirada, latifúndio, populistas de direita e criminalizem movimentos sociais, amores dissidentes, espíritos rebeldes e luta por igualdade social e irmandade desinteressada?

Mais de vinte anos atrás, antes dos meus 30 anos, comecei a usar um anel de tucum. É uma argola preta de madeira, extraída de uma árvore comum na Amazônia. Refere-se à escolha que fiz pelas causas populares, pela defesa incondicional das classes e populações subalternizadas. Na prática, é uma aliança, uma tomada de posição, um compromisso aberto com uma certa imagem de futuro. Sua origem está na Teologia da Libertação e na declaração de amor aos injustiçados e esfarrapados. Opõe-se, portanto, aos sacerdotes de anéis de ouro, aos ostentadores do luxo, aos insensíveis arautos da ordem burguesa, essa aberração que promove ódio e morte.

É curioso que muitos alunos, colegas e até familiares me perguntam sobre o anel de tucum. A maioria quer saber seu significado e o tamanho da aliança que ele estabelece. Digo que ele faz fronteiras imaginárias com minha perene tentativa de lidar com as contradições da vida sem que me deixe abater pelo desânimo. Aquele que luta sabe que são poucas as vitórias e muitas as derrotas. O anel de tucum, de alguma maneira, é um símbolo da não desistência – uma totalidade que articula saberes e práticas para superar contradições e validar a esperança.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.