O tempo do mundo, sem dúvida, mudou bastante. Há autores que falam em aceleração histórica, novas configurações de espaço e tempo, encurtamento de distâncias, elevação radical do número diário de eventos etc. Aqui, de onde todos vemos a vida, a sensação é de vertigem. De certa maneira, é como se o universo conspirasse contra nossos desejos mais simples e permanentes.

Guerras são noticiadas como eventos banais. Buscam-se culpados, tenta-se justificar a violência, escolhem-se lados. Aprendi que não há vencedores em conflitos bélicos. Todos perdemos. Se a paz se esvai e o poder só conhece a linguagem da força, desaparecem os valores humanistas mais elementares, os direitos consagrados, a esperança como método. Entre a Palestina e Israel, residem expectativas que não cabem na adoção de um “time” pelo qual torcer.

Não entra na minha cabeça que devemos vibrar numa guerra, como se estivéssemos diante do gol redentor do clube do coração. Aliás, não me atrai a visão hostil de que a violência é parteira da história. Abomino a violência como opção, seja de quem for, seja contra quem for. Trata-se de uma forma de conceber as coisas. Definitivamente, a violência não me é nem será saída nunca.

Em Gaza ou Tel Aviv, gente comum caminha de casa para o trabalho (e do trabalho para casa), leva os filhos na escola, faz planos para a semana, intui ir ao cinema, comprar um novo aparelho de TV ou passar na pizzaria para comprar aquela marguerita favorita. Por que bombas explodem no meio de seu trajeto? Como dizer a esse imenso contingente de pessoas que delirantes disputam status e poder? Hannah Arendt sempre esteve certa: a violência pode até destruir o poder (pensado como um pacto coletivo), mas será sempre incapaz de erguer um.

Pela manhã, após dez horas em jejum e um bom tanto de frascos de sangue retirados, o médico me pergunta se estou bem. Ele é meu amigo, e eu o admiro muito. Digo-lhe que o mundo atrapalha a saúde mental e, no limite, altera até as taxas sanguíneas. Falamos de Shakespeare, Tchekov, Arendt e Amós Oz. Uma saída inteligente para esses tempos sombrios é nos cercarmos de indivíduos sensatos, criativos, que ofereçam algo mais para nossos espíritos tão cansados. Uma dica perene está na literatura: livros depõem contra as armas de fogo e induzem seus amantes a fortalecer as ideias, não os punhos.

Antes do médico, dormi poucas horas após uma noite inteira em sala de aula. Na Sociologia, minha praia, o objetivo é desvendar por que permanecemos juntos e de que modo o convívio pode frutificar. As respostas não são óbvias nem fáceis; costumam surgir de intenções, opiniões, desalentos. Na prática, um enorme mal-entendido ronda o viver junto, tão atribulado por pequenezas, interesses exclusivistas, consumismo barato e entorpecedor. Falo disso com o médico também. A boa notícia é que o coração está bem, batendo forte, no ritmo esperado. Quanta guerra esse peito ainda pode suportar?

De volta a casa, cogito escrever um texto sobre a paz. Acabo falando do horror à guerra e do meu amigo médico. Está tudo bem, então.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.