Considero apaixonante a ideia de que cada ser humano é único. É potente a crença de que nunca houve, não há nem haverá jamais dois sujeitos iguais, uma vez que a singularidade é irreproduzível. Gente graúda defendeu isso, como Freud, por exemplo. Tal dinâmica tornaria a experiência algo infinito, sempre novo e surpreendente. Observando com mais calma a realidade, entretanto, essa velha constatação sofre abalos substantivos.

Na condição de sociólogo, não posso descartar o peso das conjunturas e estruturas na vida dos indivíduos e grupos sociais. Sob o capitalismo contemporâneo, hegemonizado pelos antivalores neoliberais, a impressão mais comum é a de que convivemos entre seres muito semelhantes, incapazes de produzir contraste ou aparentar distinção. Beira à tragicidade o tanto que desaprendemos quando totalmente imersos na cotidianidade.

Os dias tendem a se repetir indefinidamente. O trabalho (ou a falta dele) exaure as pessoas, desgasta-as por preocupações frívolas, apoiadas na exclusiva necessidade de sobreviver. Dia após dia, interagimos com as mesmas figuras, ouvimos histórias que não param de se repetir, somos invadidos por um marasmo que aniquila a imaginação e empobrece a magia do viver junto. O inferno, como sacramentou Sartre, são os outros. Todos eles.

Por causa da incontornável indústria cultural, consomem-se ideias em série, preparadas para conter sentimentos incomuns. Em toda parte, ouve-se a mesma música, idolatra-se a mesma celebridade, escolhe-se um jeito único de ser, viver e, quando dá, pensar. Entramos no automático e proibimos percepções em busca do não dito, não visto, não cogitado. Em síntese, constituímo-nos como idênticos: embora pertençamos a tempo e espaço dessemelhantes, flagramos um único espectro a rondar o mundo – o espectro da desimportância.

As estruturas, que condicionam as conjunturas, dão o limite de nossas ações e, antes, autorizam um tanto de ideias e especulações. Fora de um determinado leque, aparecem as várias formas de censura e retaliação. Existe um custo muito alto para aqueles que enfrentam a ordem e assumem com autenticidade a sua condição de descontinuado. O comportamento de manada é o esperado e desejável. Assim, controlam-se melhor os imensos contingentes desumanos em movimento programado, útil, funcional aos que estão no poder e há muito são os verdadeiros donos do mundo.

Se é sedutora a imagem de uma sociedade repleta de possibilidades e livre para abraçar a diversidade, é implacável a verdade segundo a qual o que ocorre sem rodeios é a fabricação industrial de comportamentos e atitudes. O cartunista Henfil, um rebelde incorrigível, dizia que o maior opressor não é o patrão; é o padrão, ou seja, a maldita forma que nos assa vivos no forno da vida precária.

A saída é estimular estados de espírito contestadores e insubmissos. Contra a mentalidade conservadora (via de regra violenta e paralisante), é preciso que sejamos capazes de subverter linguagens, como a dos afetos, disseminando que nada deve parecer impossível de mudar, como poetizou Brecht.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.