Numa época de informação em tempo real, fica difícil para os indivíduos o apelo exclusivo a si mesmos. Não dá para confiar numa capacidade infalível de discernimento. É muita coisa acontecendo, deixando de acontecer, apavorando. Por mais ilustrada e sensata que a pessoa seja, errar é regra. Cedo ou tarde, a frustração vai bater à porta.

Imagem ilustrativa da imagem Monólogo coletivo

Os antigos gregos entendiam o ser singular como “ídion”. Trata-se da dimensão humana ciente de que o todo lhe é maior, envolvente e complexo. É na inter-relação permanente que as partes se reúnem e formam o gênero humano. Como é impossível abraçar toda a humanidade e dela se sentir membro plenipotenciário, os indivíduos se aproximam de grupos que possam representar seus interesses e nutrir afetos: templos, partidos, sindicatos, associações profissionais, clubes esportivos, etc.

Até aí, tudo bem. Não pode haver problema algum na defesa de familiares, amigos e confrades. O drama é quando o “ídion” se enrijece e, nas suas expressões mais superlativas, se converte em um ser arrogante, crente na posse da verdade. Nesse momento, diriam também os velhos gregos, surge o “idiotes”.

O “idiotes” não gosta do diálogo. Prefere o monólogo. Todos que se lhe opõem são declarados inimigos. O “lado de lá” – sim, o “idiotes acredita que a vida só tem dois lados: o certo (o dele) e o errado (o de todos os outros) – é constituído de gente impulsionada pelo desejo de mentir, roubar e matar. Em resumo, o “idiotes” se vê como o “bem”, a encarnação daquilo que existe de melhor como modelo de vida para todos.

A conspiração é a matéria-prima da quebradiça autoconsciência do “idiotes”. Como não dialoga nem consegue admitir razão no “outro lado”, tende a negar a história e, assim, imaginar assumir papéis centrais na trama da vida. Ama intensamente certas figuras para, depois, dizer-se traído. Ancora-se em quem pode lhe dar impulso para, tão logo quanto possível, induzir o desafeto à morte (literalmente, às vezes). O “idiotes” contemporâneo enxerga comunistas em toda parte, nas escolas, na imprensa, na casa do vizinho, no trânsito, na igreja, nos parques... Seu hobby é colecionar pedaços do Muro de Berlim e frases feitas do marxismo soviético, reduzindo o mundo externo a fervorosos adeptos de uma realidade que não existe mais. O “idiotes”, portanto, sofre de uma moléstia incurável: sua mente travou no tempo.

Por falar em moléstia, o “idiotes” acha que pandemias são manifestações da histeria esquerdista. Acredita que o Chico Buarque é agente da KGB e a “extrema-imprensa”, devidamente alinhada com a ONU, Bill Gates e o Greenpeace, trama pela volta de Lenin, sob regência etérea, ao poder global. Os globalistas, aliás, querem impor que meninos virem meninas e vice-versa. É por isso que o “idiotes” adora armas de fogo: precisa estar preparado para eliminar o Senhor das Trevas à bala, se for preciso.

O monólogo coletivo é o objetivo de vida do “idiotes”. Ele quer que todo mundo o aplauda, dê “likes”, parabenize-o pelas asneiras que diz e faz. O “idiotes” prescinde de argumentos e determina estar ao lado da pureza divina. Vive no mundo da Lua, de onde observa, feliz, a enorme superfície plana da Terra.