Este é um tempo de impermanências e extrema fragmentação. Além de pouco duráveis, os objetos e as pessoas se apresentam sempre de modo parcial e inacabado. Ideias, funções, gostos, relações humanas, tudo é um raio em céu nublado, pouco visível, absolutamente contingente.

É fácil constatar, observando os movimentos do mundo, o trasladar das opiniões, as mudanças de hábito, os redirecionamentos de carreira e até sentido de vida. Cada indivíduo, no curso de sua existência, possui tantas versões de si mesmo que, com o tempo, esquece-se daquilo que um dia foi, dos valores que defendeu. Valores, aliás, são puro preciosismo, o que há de mais fora de moda.

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O milagre da multiplicação em todas as formas de amar e existir

Vivemos a era da praticidade. É bom que fatos e mercadorias possam se desencaixar com facilidade e rapidez. São tantas as formas assumidas nestes dias pós-modernos que o conteúdo se tornou superficial. A esmo a vida flui, sem destino, sem um porquê. Do prático ao pragmático, caminhamos visando ao cumprimento de metas, à institucionalização do efêmero, do vazio, de mais uma versão nossa que logo será peça num museu da memória sem endereço nem frequentação.

Acho que é por isso que gosto tanto de tatuagens. Elas defendem a permanência, rememoram momentos, não permitem que nos esqueçamos daquilo que pensávamos quando decidimos imprimi-las na pele, misturá-las ao sangue. Aprecio-as ainda mais quando revelam traços de personalidade que se demoram na história, na formação tão complexa de todos nós. Eu tenho duas e, assim que possível, vou fazer mais uma. Todas me servem de eterno lembrete: dizem de onde venho, pelo que passei, sobre o que sonho.

A primeira, feita quando eu era um “garoto-adulto”, não me deixa esquecer que sou comunista, que faço parte de uma longa tradição de lutas e utopias. Uma tradição, vale ressaltar, composta de homens e mulheres que ousaram enfrentar a ordem considerada natural do mundo; que sublimaram individualidades para experimentar coletividades; que se empenharam no combate contra forças muito maiores e poderosas, sem medo, cientes de que o futuro estará sempre aberto; que tiveram de fazer duras autocríticas e encarar as fronteiras da democracia, da pluralidade, da busca por uma igualdade que seja capaz de humanizar e tornar cada um de nós mais inteligente.

A segunda tatuagem, que fiz depois dos 30, explora meu coração tricolor, me põe em contato com o Fluminense Football Club, agremiação que me abraçou quando estive perto de capitular diante das sombras da dor e da incerteza. Ser tricolor, para mim, é não me deixar abater, ter coragem para seguir em frente com dignidade. E é mais do que isso também – é um tipo de sentimento muito difícil de traduzir em palavras.

A terceira, que farei já cinquentão, será a Graúna, icônica personagem do cartunista Henfil, de quem sinto saudade abissal. O irmão do Betinho me ensinou a respeito da potência do humor, da capacidade crítica do riso, da felicidade que invade a vida de quem sabe sorrir com liberdade. Enfim, gosto dessas coisas no corpo e na alma.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.