O filósofo húngaro Georg Lukács (1885-1971), no final de uma longa vida, confessou a um velho amigo que era otimista, mas só para o século 21. O autor de “História e Consciência de Classe” atravessou um tempo de guerras e revoluções, testemunhou horrores inimagináveis, participou como protagonista de momentos decisivos da história contemporânea. Com impressionante lucidez, manteve o espírito elevado e vislumbrou futuro para a humanidade, ainda que num horizonte distante.

Assim como Lukács, um dos gigantes pensadores marxistas de século 20, sou um otimista incorrigível. É verdade que meu olhar generoso sobre o mundo não é para hoje, em vista do indiscutível mal-estar que a todos invade. É no mínimo inconfiável uma postura que acredite estar tudo bem, melhor do que nunca. Otimismos acríticos são perigosos porque paralisam a vontade de lutar e encarar desafios. Nesse sentido, certa atitude destemperada, inquieta, é sempre bem-vinda, uma vez que estimula o permanente movimento e a insubmissão corajosa.

É fecundo entender o presente como um tempo de enraizada alienação. Esta, aliás, é uma palavra corrente nos vocabulários filosóficos, sociológicos e políticos. Muitos grandes autores refletiram sobre os processos que alienam e as suas possíveis formas de superação. Para o intelectual húngaro, a consciência alienada é caracterizada pela estreiteza do particularismo: isolados, os indivíduos não conseguem se aproximar de uma perspectiva universal, da comunidade humana. Nesses termos, seus horizontes são muito limitados, ensejando percepções reduzidas e bastante empobrecidas. Via de regra, indivíduos alienados percorrem os dias no intuito de sobreviver um pouco mais, levando vantagens provisórias e mesquinhas.

Aprecio observar o comportamento humano e sou bom ouvinte. Vivo à cata de boas histórias. Gosto, em especial, das tramas que envolvem acontecimentos de longa duração, daqueles que transpõem décadas e marcam indelevelmente vidas que se cruzam. Talvez por isso, muito cedo, a literatura tenha me fascinado tanto. Graças à ficção, pude ampliar minha visão de mundo, enriquecer meu repertório de eventos e diagnosticar uma enorme variedade de tipos humanos, ainda que emoldurados por um estilo de vida que se pretende único e não admite dissidências.

Minha paixão pelas artes e pela cultura também me ligam a Lukács, que dedicou boa parte de sua obra às questões estéticas. O saber sensível, ele dizia, facilita aprendizados que a racionalidade e a ciência não alcançam. A alienação, vale frisar, é carregada de indiferença à cultura: sujeitos alienados não gostam de ler, de ouvir música, de assistir a filmes – e, quando gostam, é das versões massificadas, criadas para perpetuar

desigualdades e absoluto conformismo.

Ler Lukács também é uma ferramenta emancipadora. Embora seus escritos sejam densos e exijam paciência e dedicação, o resultado é muito satisfatório. A vasta produção intelectual desse velho marxista deve ser revisitada para que mantenhamos aceso o otimismo para o século em curso.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.