De nada adianta poder ter algo a dizer se não houver quem possa prestar atenção e ouvir. Assim, a ideia de um “lugar de fala” acaba sugerindo que haja, ao mesmo tempo, um “lugar de escuta”. Reconhecer, na história, que grupos humanos inteiros foram impedidos de se expressar é um exercício de empatia, respeito pela vida democrática e um sincero intuito de encontrar novos caminhos.

Aprender a ouvir é dos mais difíceis desafios. Acostumadas a apelar à força para resolver seus conflitos, as velhas classes dominantes nunca foram muito afeiçoadas à paciência de se sentar, dedicar interesse pelos outros e, eventualmente, aceitar que haja razão na fala de seus interlocutores. Talvez por isso recebam tão mal a ideia de um “lugar de fala”, denunciando, equivocadamente, que isso impede previamente a existência de diálogos abertos e construtivos.

Diálogo em que só um lado pode determinar o rumo da existência coletiva não é bem o que se pode chamar de uma conversa de mão dupla. Pior: na frenética insistência de que todos são “iguais”, os adversários de um “lugar de escuta” negam a humilhação coletiva de vários tipos humanos; não reconhecem os legados da escravidão, de um modelo patriarcal de organização social e os inúmeros preconceitos contra todo tipo de gente que não frequenta seus salões, a não ser para servi-los.

Um verdadeiro “lugar de escuta” passa pela aceitação de que não há igualdade para além de formalidades jurídicas. Isso quer dizer que, na cotidianidade, os indivíduos estão divididos entre portadores de direitos e párias sociais. Saber ouvir – e apreciar fazê-lo – é uma prática de modéstia, um desejo de inclusão, uma postura de quem é, de pronto, contra toda forma de exploração.

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Nesse sentido, é preciso ler com atenção o que escrevem aqueles que são diferentes. Do mesmo modo, é preciso dar à “arte dos outros” um pouco da curiosidade existente, admitindo valor intrínseco em suas maneiras de ver o mundo e nele estar. Aqueles que rechaçam o que os diferentes têm a revelar, ignorando tudo a priori, é como o menino que, impedido de participar de uma pelada de futebol, pega sua bola e vai embora, impossibilitando que haja jogo.

O “lugar de escuta” é também a exteriorização da humildade. Admitir que nas palavras dos outros possa existir coerência é abrir-se para o mundo, para provocações que chacoalham certezas. Ao contrário, gritar de dedo em riste, sendo contra tudo que nem se foi capaz de entender, é demonstração de mediocridade e, no limite, enorme burrice.

Em tempos de polarização ideológica extrema e fabricação diária de novos obstáculos ao debate livre de ideias, há quem apele para status ou força para impedir que alguém possa falar, ou seja, para que se crie uma atmosfera de respeito e escuta. Escondidos no anonimato ou na fortuna que acumulam para seduzir os incautos, os sicários da vida contemporânea não conseguem ocultar sua pequenez – vira e mexe, por causa de suas atitudes mesquinhas e covardes, mostram toda a extensão do pântano em que vivem. Seu destino será o lodo da história.