Uma coisa é certa: lê-se poesia muito pouco. Interessante talvez seja indagar sobre as razões disso. Teriam sido as leituras obrigatórias e não aclamadas dos tempos escolares? Seria uma certa dificuldade de entendimento da linguagem? Ou o problema é falta de tempo ou puro descaso? O fato é que a poesia é uma forma de conhecimento que não devemos desprezar.

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A poesia, que é anterior à prosa em alguns milênios, traz aos humanos o que poderíamos chamar de sensibilidade, condições para um eterno descobrimento de si mesmos. A realidade só pode ser observada quando se tem em mente que ela é fruto de nossas ações, nossas escolhas e possibilidades. Fora disso, tudo se torna obscuro, vontade de outros seres, algo difícil de compreender ou aceitar. Como não deseja ser um esquema explicativo, a poesia pode nos oferecer pistas para ler o mundo, entender melhor suas sinuosidades.

Não sei se adquiri a sensibilidade que a poesia promete ou se consigo ver o mundo de uma forma menos confusa. Sei, contudo, que minha cosmovisão é toda embebida em versos. Leio poemas desde muito cedo e sou daquele tipo de maluco que, ao entrar numa livraria, corre para as prateleiras dos livros de poesia. Devo, por isso, achar inconcebível que a vida seja feita só de mesquinharias ou elevação do próprio ego. A poesia é um antídoto contra o individualismo exacerbado.

Não me apego àquilo que diz pouco sentido: abundância material, acúmulo de bens, vida luxuosa, “amor” às coisas. Aprendi com os versos poéticos que os mistérios da existência devem nos ocupar muito mais. Decifrando estrofes, vejo o mundo, a relação entre as pessoas, os códigos morais em questão, as mentiras consagradas, as verdades impedidas etc. Não encontro isso nos livros de Sociologia, por exemplo – a não ser quando os sociólogos também são poetas, como queria Roger Bastide.

A poesia não faz promessas nem garante a correta decodificação da realidade. O leitor de poesias tem claras suas limitações, ao mesmo tempo que sabe de suas modestas e exigentes cobranças. A poesia sabe que a realidade é infinitamente maior e mais complexa do que nossa capacidade de a apreender. Por isso, pede cautela: o mundo que vemos não é o mundo em sua inteireza; a realidade que vivemos não é toda a possibilidade de viver. A poesia, ao trabalhar a sensibilidade, preza pela humildade, pela serena insistência do não desistir, Leandro Konder, em seu belo “As artes da palavra”, afirma: “O que a poesia nos possibilita – e só ela pode nos possibilitar – é, na linguagem, uma melhor compreensão dos nossos sentimentos por meio da comparação com os sentimentos dos outros; e uma melhor compreensão dos sentimentos dos outros por meio da comparação com os nossos sentimentos”.

Num tempo de ódios gratuitos e desnecessários, a poesia pode se tornar um oásis no deserto para quem procura seriedade nas análises do mundo e, principalmente, na forma de se relacionar com os outros. A poesia pede calma, persistência e amo – sua linguagem, nesses termos é universal.

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A opinião do colunista não reflete, necessaramente, a da Folha de Londrina.