Imagem ilustrativa da imagem Inferno à vista
| Foto: Istock

Qual o lugar da cultura na vida das sociedades? Há quem a entenda como um bem supérfluo, desnecessário quando confrontado com as emergências da sobrevivência. Entre aqueles que não valorizam a cultura estão também os que leem pouco, nada veem no cinema, desconhecem o teatro, consideram a poesia um fetiche para a minoria de todas as minorias. A cultura, enfim, é sempre a última no ranking das preocupações gerais.

Vejo isso de forma diferente, ao mesmo tempo que consigo entender e explicar a realidade a partir dessas falsas constatações acerca da ideia de cultura. Penso que a cultura seja tudo que nos envolve e define. Na economia, na política, nas expressões cotidianas da existência, a cultura está presente, dando forma, diferenciando, qualificando a vida. Quando aprecio um bom livro, sou capaz de viajar por outras culturas, enxergando mundos distintos do meu, com gente de outra natureza, protagonizando histórias que minha vida particular desconhece. Assim, o livro, muito mais que um objeto cultural, é um passaporte para universos que eu não ocupo, mas posso conhecer e desvendar entrelinhas.

Vale a mesma ideia para um filme no cinema, uma peça no teatro ou nas ruas, uma exposição no museu, uma partida de futebol, uma história em quadrinhos, um álbum ou espetáculo musical, uma fogueira cercada por amigos e alguns violões. Nas expressões da cultura, politizamos o dia a dia e ofertamos cor ao modo como constituímos nossas singularidades. O que, afinal, faz de cada ser um sujeito diferente de todos os outros – irmanados como gênero humano – é a cultura, com suas vastas maneiras de ver o mundo.

Raymond Williams, intelectual galês dentre os mais importantes pensadores do século 20, entendia a cultura como o espaço em que os humanos se reproduzem a si mesmos. Assim, a cultura aparece como base da vida social, lugar em que se dão as definições sobre como será, de fato, a realidade. Ela – a cultura – não é reflexo de nada: ela ilumina tanto o passado quanto o presente e o futuro. Entendendo a cultura como síntese da experiência humana em seus aspectos mais fundamentais, Williams lhe empresta o status de condicionante, não de condicionada; de produtora, não de produto; de forjadora de consciências e visões de mundo, não de espelho das determinações econômicas ou políticas.

Numa época em que a cultura vem sendo perseguida e maltratada, vista como algo menor ou produto de gente pequena, não é difícil compreender por que tantas sombras nos ameaçam. De cima a baixo da estrutura política brasileira, a cultura é tida como risível, quando não inteiramente desnecessária. Aplaudem-se os regozijos de ignorância das autoridades, celebra-se um mundo sem ideias, festeja-se o negacionismo. Na internet, sobram mentiras e exemplos de incultura e incivilidade. Em meio às “montagens”, aos “memes”, às mais insanas afirmações advindas de um mundo paralelo, caminhamos todos por onde se venera o absurdo, conduzindo o país por uma estrada que certamente, se nada for feito em tempo, dará no inferno.

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