Frei Leonardo Boff tem um conceito do qual gosto muito: “humanismo cosmológico”. Trata-se de uma ampliação e de um aperfeiçoamento da ideia clássica de humanismo, que herdamos dos filósofos do século 16. Em vez de um humanismo “puro”, centrado na figura do ser humano soberano da natureza, o conceito de Boff explora uma relação harmoniosa entre todas as formas de vida, permitindo que a exploração desenfreada ceda espaço à convivência e ao cuidado.

Em tempos de pandemia viral, que em alguma medida carrega consigo o olhar arrogante dos seres humanos sobre a vida no planeta, é vital que sejamos capazes de inventariar outras formas de viver. Não me parece à toa que estejamos voltando o olhar para as culturas originárias, em busca de saídas mais equilibradas e menos agressivas de produzir e consumir. Mais do que isso: penso que estejamos em busca daquilo que se perdeu em nossas ancestralidades.

Não sou ingênuo. Não acredito que os beneficiários da injustiça e da desigualdade tenham crise de consciência diante do aumento progressivo do desemprego, da violência e da fome. Meu lado sempre esperançoso, contudo, vê luz no fim do túnel – crescerão as manifestações de indignação, as orquestrações coletivas, os esforços por democracia e cidadania. Crises agudas aprimoram a sensibilidade daqueles que não se cansam de lutar por tempos melhores.

Nossas grandes carências são resultado de posturas predatórias. Temos vivido tempos de extrema quantificação de tudo, com planilhas de custo e benefício sendo elaboradas a todo instante. Para onde quer que olhemos, existem gráficos e tabelas com números ideais para alcançar a felicidade, sem que seja urgente alterar nossos estilos de vida.

A vida também se vê reduzida a sentimentalismos baratos, em nome dos quais choramos e rimos sem entender a piada, sem compreender quanto somos explorados por um modo de reprodução da existência que não dialoga com as diferenças, não aprecia as trajetórias históricas, não se vê obrigado a pensar com um olho no passado e outro no futuro. Parece que o único tempo existente é o presente – um eterno presente sem origem nem consequências.

Um olhar cosmológico põe em equilíbrio natureza e cultura. E, na relação com a natureza, homens e mulheres se humanizam, entendem um pouco mais de si, permitindo-se impactar pelo mistério, pela grandiosidade da Mãe Terra. No lugar de consumir quinquilharias, o ser humano se reencontra com o mundo e decide ativar seus sentidos, lapidar seu raciocínio, viver em paz na diversidade e na incontornável riqueza de um futuro que pode ser, sim, diferente e melhor.

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. | Foto: iStock

Um “humanismo cosmológico” integra a vida, promove serenidade e qualifica valores, em vez de separar os seres humanos da natureza, incitá-los à guerra e desperdiçar suas energias. Um “humanismo cosmológico” deve ser, por fim, matéria escolar, oração de fé e, principalmente, uma prática cotidiana. Para tanto, precisamos ter a coragem de nos reinventar.

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