Admiro quem escreve diariamente para os jornais. Pela manhã, quando navego pelos meus periódicos favoritos, acesso primeiro os colunistas diários. Interrogo-me sobre o artigo do dia seguinte. De onde virá a inspiração? E se der branco? E se o sujeito passar mal? Na manhã seguinte, sem saber o que poderá ter ocorrido, lá estará a nova coluna. Milagre?

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. | Foto: iStock

Não enfrento esse desafio. Escrevo somente uma vez por semana. Ainda assim, confesso, fico em dúvida sobre o que escrever de vez em quando. A questão nunca é falta de assunto. Antes, o problema é o excesso. Vivemos uma época de superabundância factual, como já afirmou o antropólogo francês Marc Augé. Além da história – que não para nem acaba nunca –, temos a elevação de tudo à condição de grandiosidade. Música, literatura, cinema, passeios ao léu, receitas gastronômicas, brigas de rua, vacina hipotética, governos estúpidos, cidadãos perdidos, cachorros que latem, nada escapa à letra do cronista. Escrever é, antes de tudo, decidir para onde olhar.

Há dias, no entanto, que amanhecemos cegos. Nada estimula ideias. O teclado do computador parece estar em brasas. É impossível redigir mais do que duas ou três frases antes de atacar o cursor e encarar a tela em branco novamente. Quem já precisou escrever um texto (trabalhos escolares, artigos científicos, colunas de jornal, contos, novelas ou romances) entende o que estou afirmando: não ter as palavras ansiadas à ponta dos dedos é um tipo muito peculiar de fim do mundo.

Na maior parte do tempo, o desespero é “recortar” a realidade. Como abordar a “guerra cultural” em torno de uma vacina que ainda nem existe? Como adjetivar indivíduos que creem em conspirações comunistas, na decência de Trump ou nas tentativas de armar a população até os dentes? Se deixarmos a imaginação voar, tudo que parece verdadeiro logo se tornará uma fabulosa peça de ficção científica. No apagas das luzes, prevalecerá o absurdo.

Vira e mexe fantasio que estou enviando um e-mail para a redação do jornal, expressando em letras garrafais: “HOJE NÃO TEM COLUNA!” E, no caso de alguma audaciosa réplica, eu me vislumbro argumentando que o mundo está ficando muito chato, apesar de ser redondo; que os políticos estão me deixando doente das ideias; que a minha lua em Júpiter se chocou com “Peixes” no mapa astral dos infernos. Honestamente, eu não gostaria de envolver ninguém em minhas crises existenciais.

Mas e a coluna? Sobre o que escrever? Divórcio de famosos? Novos sintomas observados em pacientes com Covid-19? As candidaturas “exóticas” das eleições municipais? A eterna crise na educação, na ciência, na saúde? Mais um vexame presidencial? Outro ministro que inventa doutorado? Não sei. O caráter fértil da realidade tem se revelado extremamente canalha ultimamente.

Acho que não vai haver coluna, não. Sim. Está decidido. Hoje não tem coluna. Volto semana que vem.