O registro mental que temos da história é o dos grandes feitos e heróis. Importam-nos mártires e eventos sublimes, universais. Quando pensamos em uma página particular da história humana, logo nos vêm à mente guerras e revoluções, conquistas e descobertas. A história, em seu sentido mais amplo, contudo, é feita de personagens simples, vidas comuns. Trata-se da expressão das historicidades miúdas.

É de risos e lágrimas que é feito o passar do tempo. O cotidiano de pessoas triviais revela muito dos grandes eventos e de seus impactos na coletividade. É por isso que hoje se estudam as pequenas histórias, os camponeses em vez dos fazendeiros, os operários em detrimento dos empresários, os súditos no lugar dos reis. Em todas as suas dinâmicas, a história se faz aqui e agora.

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. | Foto: Reprodução

Uma das razões para os estudos históricos terem essa ansiedade diante de grandes feitos e personagens memoráveis é a escrita de sua versão oficial. De acordo com os registros “oficiais”, os vencedores são as nações, os exércitos, os esforços hercúleos de um ou outro candidato a herói. A multidão, para essa visão das coisas, é indistinta, feita de uma massa desimportante. Não faltam exemplos de livros que desprestigiaram as massas e suas rebeliões, taxando-as de perversas, altamente influenciáveis.

O preconceito contra as massas é também um certo ódio às histórias singulares, aos modos de vida da população, às suas referências e atitudes. Das massas, contudo, brotam as histórias de gente humilde, que atravessa o tempo por pequenos discursos e marcantes ações. Se um dia houver, de fato, a preocupação em saber o que somos e de onde viemos, teremos de redirigir o olhar, recontar histórias, contestar todas as versões “oficiosas”.

Estou lendo “Como poeira ao vento” (Boitempo Editorial, 2021), do escritor cubano Leonardo Padura. Por meio das narrativas de amigos de infância divididos pela realidade e suas imposições, o autor conta a história de seu país, emoldurada para dar vez a um conto de amor. Gente simples, dividida e unida ao mesmo tempo, com suas impressões de mundo, suas biografias comuns, narra a ilha de Cuba nos últimos 30 anos. O livro de Padura é um excelente exemplo de como abraçar a história por meio de trajetórias avulsas e até apelos ficcionais. No livro, a história é mirada por quem a vive intensamente, sentindo na carne as mudanças, as contingências e as dificuldades.

Ao recontar a história, descobrimos que velhos heróis nada de heroico praticaram; que guerras e invasões nunca têm vencedores; que é no interior das vidas mais comuns que estão as narrativas mais poderosas para elucidar o tempo e almejar algo efetivamente novo para o futuro.

Assim, para ajudar na fervorosa busca por outras histórias, recomendo a leitura de Leonardo Padura, de todos os seus romances. É uma tarefa, no mínimo, voltada para adotar diferentes versões de uma mesma história contada à exaustão. É para quem quer pensar diferente, em suma.