Milton Santos (1926-2001), um dos mais importantes geógrafos do mundo, numa entrevista a Jô Soares, na década de 1990, afirmou que a globalização, para além das relações entre capital e trabalho, unifica padrões emocionais, levando aos quatro cantos do planeta certas homogeneidades de ser, pensar e sentir.

Imagem ilustrativa da imagem Globalização das emoções

Como intelectual negro e nordestino – num país inegavelmente preconceituoso, violento e desigual –, Santos interessava-se pelo modo como os seres humanos se organizam no tempo e no espaço, considerando os desafios históricos. A vida nas cidades, por exemplo, com seus múltiplos processos materiais e simbólicos de partilha, era objeto de preocupação do grande pensador brasileiro. Milton Santos acreditava que povos de todo o mundo deveriam participar da globalização, num intercâmbio permanente de impressões da realidade. Para muito além da hegemonia estadunidense no campo da cultura – das emoções, portanto –, ele acreditava que outra globalização era possível. É apropriado a essa utopia o nome “globalização das emoções”.

Mas de qual emoção falamos quando pensamos no indivíduo global contemporâneo? Daquela que leva todos a desejarem o mesmo hambúrguer, o mesmo sucesso hollywoodiano, o mesmo hit das paradas musicais? Ou falamos das emoções relacionadas com as diferentes formas de perceber o mundo expressas nas culturas dos cinco continentes, na variedade quase infinita de agires sobre a Terra? A ideia que se quer de uma “aldeia global”, nos termos do filósofo canadense Marshall McLuhan, depende da maneira como entendemos o próprio mundo.

Não há problema em processos que busquem a universalização de seus intentos. Isso vale, por exemplo, para os direitos humanos, a experiência democrática e uma concepção mais abrangente de ética e solidariedade. Em todos esses casos, há traços que identificam desejos e propostas, até para que seja viável o intercâmbio entre diferentes sociedades. O erro, todavia, é supor que a diretriz deva partir de um único ponto, aquele militarmente mais poderoso ou economicamente mais abastado, desprezando-se outras perspectivas e, principalmente, a diversidade com que a história comum é ressignificada na singularidade de cada universo cultural.

Bens materiais ou imateriais possuem significados distintos na Índia, em Moçambique ou no Leste da China, assim como na América Latina, na Europa Ocidental ou em comunidades pequenas à beira de um rio amazônico. Esse mosaico de possibilidades se dá por conta da vasta gama de emoções que esses povos têm em suas trajetórias – sentimentos nascidos da guerra e da paz, e também das opções que se construíram no diálogo complexo com outros agrupamentos humanos.

icon-aspas Mas de qual emoção falamos quando pensamos no indivíduo global contemporâneo? Daquela que leva todos a desejarem o mesmo hambúrguer, o mesmo sucesso hollywoodiano, o mesmo hit das paradas musicais?

Uma verdadeira “globalização das emoções” daria igual destaque ao cinema produzido em África ou em Beverly Hills, ao teatro de periferia dos grandes centros urbanos ou a Broadway, ao rock inglês, ao blues do Mississipi ou ao samba de morro. E por quê? Para provocar emoções que possam ampliar horizontes, em geral reduzidos e petrificados por medo, ignorância ou ares arrogantes de superioridade. Gosto demais da velha máxima anarquista, um lema de vida: “Meu país é o planeta Terra e o meu povo, a humanidade”.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]